“Estabilidade, confiança e compromisso”, foi este o lema criado pelo Governo para definir o documento que regerá a economia do país no próximo ano. O ministro das Finanças apresentou esta segunda-feira, em conferência de imprensa, as linhas mestras do Orçamento do Estado para 2023, numa intervenção que teve como primeiros destinatários os mercados. Começou por vincar o percurso feito nas finanças públicas, com a garantia de que as medidas agora apresentadas para ajudar famílias e empresas a atravessar o difícil contexto económico que se avizinha não colocarão em causa a trajetória de sustentabilidade das contas públicas – lembrando, já em respostas aos jornalistas, o recente exemplo do Reino Unido, que viu os juros da dívida pública dispararem para perto de 5% após a apresentação do pacote de Liz Truss. Medina reiterou o “compromisso com a política de contas certas, com a palavra e com a estratégia de redução da dívida pública, porque esta demonstrou ser um instrumento poderosíssimo para a proteção das famílias, das empresas, em particular nos momentos mais incertos que a conjuntura externa nos traz”.
Por isso mesmo, o primeiro destaque do ministro foi precisamente para a redução da dívida pública, que se saldou em 20 pontos percentuais nos últimos dois anos – de 134,9% do PIB em 2020 para 115% em 2022, para níveis de 2011 – e que o Governo quer ver em 110,8% do PIB no final de 2023. “Conseguindo continuar a trajetória de redução que os outros países também vão prosseguir, Portugal deixará de vez de ser o terceiro lugar isolado e integrar-se-á em definitivo no pelotão onde estão Portugal, Espanha, França e Bélgica, com valores extraordinariamente próximos”, aproximando-se assim da média da Zona Euro.
O cenário macroeconómico do Governo mantém perspetivas de crescimento, embora mais moderado. A economia deverá crescer 1,3%, acima da Zona Euro, muito sustentada pelo investimento, público e privado. Apesar da menor execução do PRR em 2022, o ministro das Finanças desvaloriza, afirmando que o desenvolvimento do investimento ao longo do tempo “não é linear”, uma vez que necessita de preparação, onde se incluem os projetos e os concursos. Entre os principais focos do investimento público estão a capitalização de empresas, apoios no acesso a habitação a custos acessíveis, apoio à transição digital e inovação e a aceleração do investimento para a transição climática
Além da redução da dívida – que o Governo inscreve como um dos três grandes objetivos para 2023 – o executivo continua igualmente apostado na redução do défice, que estima em 0,9% no final do próximo ano, contra os 1,9% com que deverá fechar este ano. “Não podemos esquecer a dimensão da dívida e do défice porque é ela que nos permite ganhar margem para tempos que possam ser não tão favoráveis”, afirma Medina.
O cenário macroeconómico do Governo tem sido alvo de críticas que o consideram demasiado otimista – principalmente por via do crescimento estimado e da inflação projetada de 4%. O ministro destaca que o Governo não está a trabalhar no cenário mais adverso mas “é para esse que temos de nos precaver”, lembrando a enorme incerteza do atual quadro económico e geopolítico.
O Orçamento do Estado para 2023 prevê ainda a melhoria do saldo primário, para 1,6%, que corresponde à “diferença entre receitas e despesas se não considerássemos a parcela de juros que temos de pagar”, explicou o ministro das Finanças.
Uma política de contas certas que, segundo Fernando Medina, levará a uma “mudança estrutural nas finanças públicas e na economia portuguesa no final de 2023”.
Estabilidade em contexto instável
“Estabilidade porque é isso verdadeiramente que as famílias aspiram. Perante as notícias e imagens do exterior, o que este orçamento faz é procurar a estabilidade nos elementos fundamentais na vida das famílias e de cada um de nós”, justificou o governante. “Apoiar os rendimentos, reduzir as incertezas sobre o futuro, diminuir os impostos para podermos criar um rendimento disponível mais elevado para as famílias e, sobretudo, ancorarmos estas melhorias num cenário de médio prazo”.
Para isso, o ministro das Finanças apresentou um pacote de medidas que prevê uma valorização dos rendimentos do trabalho. O salário mínimo nacional aumenta para €760 mensais, com o Governo a manter intacta a intenção de que chegue aos €900 em 2026; no privado, o acordo com os parceiros sociais prevê um aumento de 5,1% em 2023, com contrapartidas em sede de IRC para as empresas que cumpram aumento igual ou superior, desde que diminuam disparidades salariais internas; na função pública o aumento mínimo do salário base será de €52 € mensais – a que se soma um aumento do subsídio de refeição para €5,20. Já por via do IRS, o Governo compromete-se a atualizar todos os escalões em 5,1% (de forma a acomodar as eventuais subidas salariais no privado); Reduz a taxa marginal do 2º escalão de 23% para 21% – o que tem como efeito a redução de todas as taxas médias a partir do 2º escalão; reforma o Mínimo de Existência de forma a garantir que uma subida do salário bruto resulte sempre num maior salário líquido; e adota um novo modelo de tabelas de retenção para pôr fim a situações de regressividade nas mudanças de intervalo.
Entre as medidas adotadas estão ainda o reforço das pensões e prestações sociais (valor de referência do IAS sobe 8%), o apoio aos jovens – com o alargamento do IRS Jovem e o reforço do Porta 65 para apoio ao arrendamento – e das famílias com crianças, como o aumento do abono de família e o aumento das deduções no IRS a partir do 2.º filho.
Nota ainda para as famílias com crédito à habitação, que veem suspensa, temporariamente, as comissões de reembolso antecipado cobradas pelos bancos, desde que tenham taxa variável, podendo ainda solicitar a redução das retenções na fonte de forma a ganharem liquidez mensal para fazer face aos aumentos dos encargos com a habitação.
Do lado da energia haverá ainda uma injeção, no valor de €3.000 milhões para redução dos preços da eletricidade e gás, cujos pormenores Medina remeteu para o ministro do Ambiente, em conferência de imprensa na quarta-feira. Segundo o ministro das Finanças, trata-se de uma medida que visa reduzir os aumentos dos preços da energia para famílias e empresas “através da injeção de capital (proveniente da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético e da taxa de carbono) e do excedente tarifário nos sistemas de eletricidade e gás. (…) Trata-se da mobilização de todos os recursos para se conseguir conter a subida dos preços da eletricidade, ainda mais do que já têm sido contidos até agora”.
Incentivos às empresas
Do lado das empresas existem medidas de incentivo à capitalização, com a dedução em IRC dos aumentos de capital próprio; a melhoria do regime fiscal de apoio ao investimento, cuja majoração das deduções à coleta de investimentos até €15 milhões passam de 25% para 30%; um novo regime fiscal de dedução de prejuízos, cujo prazo de dedução passa a ser ilimitado; e um alargamento da taxa reduzida de IRC de 17%, dos atuais €25.000 € para €50.000 de lucro anual.
Para as empresas mais afetadas pela inflação, estão previstos apoios extraordinários aos custos com combustíveis na agricultura; uma majoração em IRC de gastos em energia e produtos agrícolas; além da injeção de capital, sobre a qual o ministro do Ambiente dará mais pormenores ainda esta semana.
Fernando Medina anunciou ainda a aplicação da Contribuição Temporária de Solidariedade, no quadro do regulamento do Conselho Europeu, que incidirá sobre lucros extraordinários de empresas nos setores do petróleo bruto, gás natural, carvão, refinação. A taxa mínima será de 33%.
O ministro das Finanças terminou a apresentação tal como começou. Regressou às “contas certas”, garantindo que o “país está hoje melhor preparado para cenários mais adversos”. “Portugal hoje dispõe de margem de manobra superior à que tinha. (…) Não fizemos o que alguns defenderam, que era injetar massivamente quantias de dinheiro que teríamos de pedir emprestado elevando o défice. Sempre defendi o contrário”, conclui.