A profissão de trader, nas suas várias aceções, tem vindo a mudar muito nos últimos anos, sobretudo devido à rápida adoção de tecnologia. E essas mudanças não vão parar. Pelo contrário, têm tendência para acelerar. No entanto, e por mais que a tecnologia – e os dados que lhe estão associados – tenha vindo para ficar, o toque humano do trader nunca será substituído e continuará a fazer a diferença.
Esta foi uma das principais conclusões do evento, ‘Trader do Futuro’, que juntou esta sexta-feira especialistas das áreas de energia e banca e que está integrada na New Ways of Working Series, da NTT Data Portugal. A EXAME – cujo diretor, Tiago Freire, assegurou a moderação – associou-se a esta discussão, que teve um formato híbrido em sala e também assistência remota.
Participaram no encontro Berto Martins, Head of Energy Markets EDP; Gareth Morris
Head of Commodity Trading NTT DATA UK; Tiago Lopes, Head of Markets Portugal Santander; e Marc Garay, Head of Corporate & Investment Banking NTT DATA EMEAL.
Sobre o perfil do trader, em geral, Gareth Morris apontou algumas características importantes, enquanto profissional: “eu gosto de seguir a tese de Warren Buffet, dos três traços importantes: energia, inteligência e integridade. Se tivermos as duas primeiras mas não a última, essas duas primeiras não interessam”. Na sua equipa, o background de formação não é o mais importante e é até bastante variado, desde que a pessoa traga essas características pessoais que podem depois ser complementadas na empresa. “Na minha equipa eu tenho um geólogo, um engenheiro químico, um filósofo e um historiador de arte”, explicou. E “é realmente uma meritocracia. Se és bom podes subir muito rapidamente”.
Marc Garay lida com traders em várias instituições há mais de 20 anos, e aponta as características que lhes deteta. “São determinados, porque têm de tomar decisões quando o mercado está em turbulência; muitos são corajosos, que é preciso ser até certo ponto, sem exagerar; são resilientes, porque os mercados são duros e de vez em quando há dias maus e é preciso estar pronto para o dia a seguir; e por último têm de ser merecedores de confiança e ditar o seu comportamento pelos padrões mais elevados”.
Tiago Lopes e Berto Martins explicaram um pouco a sua atividade e qual o seu contributo não apenas para as suas empresas – Santander e EDP – mas também para a sociedade em geral. A liquidez do mercado, a cobertura de risco e a transferência de poupanças para investimento são pontos fortes da área financeira, enquanto na área de utilities os focos estão na eficiência de todo o ecossistema, na entrega do produto (como a energia chegar às fábricas e às nossas casas) e o custo para o consumidor.
Todos os oradores focaram a forma como a progressiva integração de tecnologia nos processos tem mudado a profissão de trader, sobretudo no que toca a áreas como a cibersegurança – cada vez mais essencial – e na recolha e sobretudo tratamento de dados, de forma a possibilitar uma decisão mais rápida e bem informada. Marc Garay salienta ainda que esta introdução de tecnologia levou os traders a ter de encontrar novas competências mas também lhes abriu portas para outras atitudes profissionais que estão a ganhar relevo, como a atenção ao cliente e às suas necessidades específicas.
E como será o trader do futuro?
“A minha visão pessoal é que o trader do futuro estará menos focado internamente, menos no produto, e mais para fora, no cliente, a conhecer melhor o que faz a diferença para os clientes, mais do que apenas uma diferença de preço” defende Marc Garay.
Para Berto Martins, o futuro pode ser explicado com uma metáfora de Fórmula 1. “Agora as empresas deste setor têm todas boas soluções, como se fosse uma corrida em que os carros são todos mais ou menos parecidos, com algumas ligeiras diferenças, mas a verdadeira diferença está no piloto. No futuro, os carros vão ser autónomos”, o que muda o jogo. Mas, continua Berto, “continuamos a precisar dos engenheiros no background, a afinar todos os parâmetros do carro, para que ande mais rápido e ganhe a corrida. Esse será o papel do trader de energia no futuro”.
Gareth Morris, por seu lado, salienta os avanços da computação quântica, que fará com que o trader quase que tenha um “gémeo digital”. Caberá a esse “gémeo” traçar todos os cenários com base em dados, com extrema rapidez, e caberá ao trader tomar a decisão, com base na sua experiência e conhecimento acumulados. Tiago Lopes acha que, em parte, esse mundo já está cá: “parte das nossas equipas está a programar e a fazer trabalho com algoritmos, e gostam muito de o fazer, e providenciam toda a informação necessária. O resto da equipa é que faz a negociação e está sempre a desafiar a primeira parte, a pedir mais cenários e explicações, para tomar a decisão”. “Há vinte anos tínhamos talvez uma trading desk com 20 traders, e agora podemos fazer isso com menos pessoas. Mas as que estão realmente gostam muito do que fazem e nós utilizamos as melhores características de cada uma delas”, concluiu o responsável do Santander.
Por último, uma nota a pedir atenção do mercado. Tal como praticamente todas as áreas de atividade, também o trading está na luta pela atração de talento. E, aí, há que saber contrariar a má imagem que as empresas de banca ou energia possam ter e apresentar uma narrativa que atraia as novas gerações, como salientando todo o lado positivo de transformação que estas atividades podem trazer, para a sociedade.
Veja abaixo a sessão, na íntegra: