Na luta pelo talento global não se invertem somente as forças. Em alguns casos, também se invertem os papéis. Foi isso que aconteceu esta quinta-feira nas instalações da Bosch em Braga. “Hoje temos 30 pessoas o dia inteiro connosco, supostamente candidatos, que vão estar com as equipas, ver o que fazem, que reuniões têm, que projetos têm. E a nossa aspiração é que, no final, alguém diga: ‘Eu gosto do que vi, eu aceito e quero trabalhar com vocês”, conta Gloria Araujo-Woerman. A Diretora de Recursos Humanos da Bosch Car Multimedia Portugal não tem pejo em assumir que, aqui, não são os candidatos que se candidatam. “Nós é que nos candidatamos”. A empresa, que desenvolve tecnologia de ponta em várias áreas, incluindo em sensores para a condução autónoma, já recrutou 300 colaboradores este ano, e quer duplicar as contratações nos próximos seis meses. Mas também na Bosch, como em tantas outras empresas, os recursos do país são insuficientes para satisfazer todas as necessidades.
Isso mesmo esteve em debate na última quinta-feira na “Manhã em Exame”, em parceria com o ManpowerGroup Portugal. Que estratégias estão as empresas a adotar na captação e retenção de talento? Que dificuldades sentem neste fenómeno de escassez, que é global? E como pode um país com a dimensão e a demografia de Portugal ultrapassar estes desafios?
À reinvenção do processo de recrutamento, soma-se a já mais batida e debatida reinvenção dos modelos de trabalho. A flexibilidade, de horários e de local de trabalho, entrou definitivamente no leque de reivindicações dos trabalhadores e as empresas vão acompanhando como podem. Mas se há algumas que podem menos, como é o caso da DPD Portugal – já lá iremos – outras poderão ver-se forçadas a ir ainda mais longe. “A flexibilidade que temos em Portugal ainda não chega. Quero trabalhar oito horas por semana, e tenho seis dias livres; ou quero trabalhar quatro horas por dia; ou quero trabalhar 12 horas por dia e só trabalho três dias. Esta realidade ainda não é possível em Portugal, mas vamos ter de chegar lá”, afirma a responsável da Bosch. E nota que esta flexibilidade já existe em quase todo o mundo. “Mas em Portugal é raro. E é uma das formas de flexibilidade que estamos a adotar”.
Já na DPD Portugal, empresa de entrega de encomendas, coexistem – e colidem – duas realidades distintas. Os trabalhadores da distribuição, onde, tal como acontece no chão de fábrica das indústrias, a flexibilidade, nomeadamente, a possibilidade de trabalho remoto, é praticamente uma impossibilidade. E os restantes trabalhadores, que começam a beneficiar das novas formas de organização do trabalho. “São duas realidades que estão a chocar e a causar desconforto”, conta Hugo Paiva, Diretor de Recursos Humanos da empresa. O resultado, é uma tentativa de deslocalização de muitos trabalhadores com funções híbridas para departamentos que ofereçam essas possibilidades, “o que abre ainda mais o fosso e aumenta as nossas necessidades”. Para a DPD, anos de pandemia foram anos de crescimento. As equipas foram reforçadas mas, também aqui, a pressão para encontrar trabalhadores qualificados e em quantidade suficiente, é grande. “É um setor que precisa de mão de obra intensiva, com um nível de sofisticação já grande. Muitos destes perfis nem sequer vão procurar emprego, porque a oferta é tanta”.
Desafios que não podem ser entendidos como sendo apenas das empresas, mas sim do país. Por isso mesmo, Clara Celestino, Diretora de Recursos Humanos da Nokia Portugal, considera que o debate deve ser ampliado. “Temos de envolver o Governo, as escolas, as universidades. Não pode ser um caminho feito só pelas empresas. Sozinhas não vamos conseguir”. E se ao Governo cabe a facilitação de procedimentos – como, por exemplo, a celeridade de vistos para a captação de talento externo – e às universidades e politécnicos, a formação técnica em sintonia com as necessidades das empresas, às escolas cabe o trabalho das soft skills desde tenra idade. “Hoje ensinamos muitas coisas nas empresas, como a colaboração e a comunicação, que poderia começar a ser trabalhado desde tenra idade. O nosso sistema educativo ainda é muito baseado na competição. Quem é o melhor aluno? Quem vai para o quadro de honra? Mas nas empresas é logica é diferente. Queremos que as pessoas partilhem o seu conhecimento, colaborem, tenham empatia”.
E nesta jornada de formação, as empresas desempenham igualmente o seu papel. Não apenas no “reskilling” e “upskilling” de muitos trabalhadores mas também naquilo que é hoje mais um fator de atratividade para os trabalhadores: a possibilidade de aprendizagem contínua, capaz de dar aos profissionais “segurança não de emprego, mas de empregabilidade”, nota Vitor Antunes, Director da Manpower. E como encaram as empresas essa formação de talento para possível benefício futuro de terceiros? O responsável desdramatiza: “Esta luta pelo talento ganha-se quando deixar de ser uma luta e passar a ser uma colaboração pelo talento. Todos vamos ganhar com essa rotatividade”.
Pedro Amorim, Managing Director da Experis, sumariza: “Fundamentalmente, temos que pensar numa escala global. Primeiro a educação. A educação que hoje temos não é suficiente para responder às necessidades daquilo que é o futuro do país. Segundo, políticas governamentais de atração de talento. E depois temos que olhar sem demagogia para o interior. Temos institutos politécnicos no interior de grande qualidade. Mas temos de ter incentivos para os jovens, e os menos jovens, irem trabalhar para o interior. É muito difícil atrair pessoas para fora dos grandes centros e isso faz com que não estejamos a aproveitar todo o nosso talento”.