Tinha sido apresentada em março. O mês terminou e veio abril. E só agora, já com o desconfinamento avançado e resolvido um “ligeiro atraso tecnológico”, é que começou a funcionar a aplicação que promete viagens a baixo custo em autocarros de médio e longo curso. Para já, a Gipsyy permite viajar entre quatro cidades no País, em autocarros próprios e de uma empresa do grupo, com preços a partir de 5,29 euros mais extras. Mas o objetivo é abrir mais cidades nos próximos dias e fazer crescer a frota através de parcerias e aumentar os destinos servidos, dentro e para lá das fronteiras.
A marca detida pela Guanabara SGPS – do empresário Jacob Barata, conhecido no Brasil como “rei dos ônibus” e dono em Portugal dos autocarros Scotturb e Royal Express e dos hotéis Fénix – é a primeira startup tecnológica do grupo na Europa. Apesar de seguir as pisadas de uma empresa com o mesmo nome, criada no Brasil em julho passado, o CEO da Gipsyy garante que esta solução é portuguesa de Portugal. “É desenvolvida internamente. É uma tecnologia feita do zero e são mercados diferentes”, diz Nuno Oliveira.
A plataforma combina precificação dinâmica (em que o preço oscila em função da procura e da concorrência) com uma tecnologia que maximiza os percursos dos autocarros e melhora a eficiência de operação. O uso de viaturas modernas, com maior capacidade (dois andares, ou “double decks”) e com consumo mais eficiente de combustível permite apresentar preços mais baixos do que outros operadores e, ainda assim, ter rentabilidade, explica.
Nuno Oliveira não gosta do termo low-cost, mas o modelo operado, que obriga a pagar por extras como a escolha de lugar, remete para práticas semelhantes das companhias de aviação. “Oferecemos mais do que low-cost. Damos qualidade e a oportunidade de o cliente escolher o que quer. Queremos que as pessoas deixem o transporte privado pelo público”, defende em entrevista à EXAME.
Atualmente estão disponíveis, nos dois sentidos, os percursos Lisboa – Porto e Cascais – Sintra – Porto. Numa primeira fase serão utilizados os autocarros da Royal Express – marca do grupo, com cinco “double decks” que devem aumentar para 10 até ao fim do ano – e a frota própria da Gipsyy, hoje com dois autocarros, cinco no futuro. Mas a maior parte das viaturas ao serviço da marca, decoradas com a mesma identidade gráfica, virá de operadores terceiros com quem a empresa está a negociar. Neste momento existem conversações com sete destes operadores, portugueses e estrangeiros, para integrar a rede, que é aberta a todos. “Trabalho com toda a gente. Mas as empresas tradicionais são um pouco mais fechadas na forma de pensar, não olham para a cooperação como possibilidade de aumentarmos negócio”, lamenta o CEO.
Investir e contratar
Este ano a empresa vai aplicar 3,5 milhões de euros na operação em Portugal e na Europa, com a compra de veículos, os acordos comerciais com operadores, além de investimento tecnológico, no marketing e em comunicação. A nível nacional, onde está a recrutar perfis tecnológicos (nas áreas de marketing, front-end, product owners e developers) a expetativa é contratar cerca de 100 pessoas este ano, que se juntam às 500 no Brasil.
Depois de ter sido fortemente penalizado pela pandemia (a percentagem de lugares não comprados disparou para 70% no caso da Royal Express), a retoma do transporte de passageiros poderá ser impulsionada com a abertura faseada da economia, o controlo dos contágios e o aumento do ritmo da vacinação. Este mês a Royal Express, a que Nuno Oliveira também preside, vai reativar as rotas para o Algarve e começar a operar para Espanha, desde Lisboa, Cascais, em junho. A partir de julho espera-se “alguma normalidade”, para que a taxa de ocupação possa chegar a 60% até ao final do ano. Estimativas de faturação não há, mas dentro de três anos a meta é ter uma quota de mercado de 5% a 10% no longo curso e nas ligações à Europa.
Vocacionada para um público mais jovem e até à faixa dos 35-40 anos, a marca Gipsyy cruza a evocação do nomadismo (em que a designação se inspira), com o “free spirit, em que o cliente tem oportunidade de escolher e trocar [as opções no transporte], de acordo com o que for melhor para si”, explica Nuno Oliveira. E quer também afirmar-se pelo lado da sustentabilidade ambiental. O CEO garante que além dos veículos que serão usados, mais “amigos do ambiente”, todo o CO2 emitido será compensado através de programas internacionais. E, apesar de a mobilidade elétrica ainda não estar desenvolvida no longo curso, o objetivo será aderir. “Estamos a trabalhar com fornecedores para estarmos nos testes de autocarros elétricos e a hidrogénio”, conclui.
Da banca à hotelaria, onde chega o grupo Guanabara
Com origens no transporte rodoviário de passageiros, iniciado nos anos 1950 na cidade brasileira do Rio de Janeiro, o grupo Guanabara é hoje composto por mais de meia centena de empresas, a maior parte ainda dedicada ao transporte urbano, intermunicipal e rodoviário no Brasil.
O grupo foi fundado por Jacob Barata, hoje com 88 anos e que aos 14 trocou a venda de galinhas no Estado do Pará pelo Rio, onde estudava de dia e trabalhava à noite, como disse em 2013 ao jornal “O Globo”. Nos anos 1940 ajudava a cobrar dívidas num negócio de venda de panelas de alumínio a prestações. Mais tarde tornou-se escriturário num banco e passou depois a vender joias. Com o dinheiro que juntou, comprou a primeira carrinha de transporte, que conduzia.
O crescimento da atividade leva até 1968, quando é criado o grupo Guanabara, com atividades na área dos concessionários (Mercedes-Benz, através da Guanabara Diesel), do imobiliário e da banca, com o Banco Guanabara, especializado em crédito para a compra de autocarros a operar no Rio de Janeiro, de acordo com o portal UOL. Mas a atividade que lhe vale (e ao seu filho) o título de “rei dos ônibus” é o transporte rodoviário de passageiros, que opera há mais de 50 anos naquela cidade. Jacob Barata Filho, herdeiro do “rei dos ônibus”, foi detido em 2017 no âmbito de um processo derivado da operação Lava-Jato por alegado pagamento de subornos a políticos. No ano passado foi condenado a 28 anos e oito meses de prisão por “corrupção ativa e participação em organização criminosa”.
A presença no País
Em Portugal, os interesses do grupo são geridos pela Guanabara SGPS, criada em 1994 e detida a 100% por Jacob Barata. Através da participada Guanaurb detém a empresa de expressos Royal Itinerary e a Gogipsy, dona da Gipsyy. Possui ainda a Scotturb, que opera transportes coletivos em Cascais, Sintra e Oeiras, e detém uma participação de 35,8% na Viação Alvorada. Esta empresa, criada no ano passado com a Vialagus (dona da Vimeca), ganhou em outubro a concessão da Área Metropolitana de Lisboa para o transporte rodoviário de passageiros nos concelhos de Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra, e intermunicipais de ligação a Lisboa e Cascais (lote um).
Além dos transportes, o grupo está ainda na hotelaria, com a rede de hotéis Fénix, em Lisboa e no Porto. Os oito hotéis são controlados através da Imorey, onde o grupo Guanabara tem uma participação direta de 20%, a que se juntam outras quatro sociedades anónimas, cada uma com 20%, de acordo com dados Informa D&B. A gestão da firma está nas mãos de quatro empresários, ligados na sua maioria ao transporte rodoviário no Rio de Janeiro.