“Sempre sonhei muito, sempre acreditei que era capaz de fazer coisas diferentes e sempre ambicionei coisas diferentes daquelas que ia ter”. A frase, arranque para uma entrevista ao programa “Construtores de Impérios” na RTP em novembro de 2012, foi proferida numa altura em que Alfredo Casimiro vivia alguns dos seus melhores anos enquanto empresário, à frente do Grupo Urbanos e acabado de entrar na Groundforce, com a compra de 50,1% da empresa de handling.
A mesma que acabaria por ditar um dos episódios mais conturbados e mediáticos da sua carreira, depois de a crise na aviação ter deixado a empresa de handling sem dinheiro para pagar salários aos funcionários, a receber adiantamentos à TAP e a ficar à espera de resposta positiva a um empréstimo de 35 milhões de euros com garantia pública, pendente de dados financeiros. O atraso na chegada de liquidez levou a manifestações e pressões dos trabalhadores, reuniões com o Governo. Um processo negocial com avanços e recuos, muitas vezes realizado na praça pública, com detalhes a chegar seletivamente à comunicação social.
A gota de água na guerra com o Executivo terá sido uma conversa gravada de forma não autorizada que o empresário terá tido com Pedro Nuno Santos, no meio de semanas de negociações para tentar resolver as dificuldades de liquidez da Groundforce. Um facto que levou o ministro a apresentar uma queixa-crime contra o empresário.
Entretanto, o Governo ficou a saber que as ações que deveriam ser dadas como garantia pela empresa estavam, afinal, dadas como penhor ao Montepio, e não deu crédito às intenções do empresário acompanhar o necessário aumento de capital na empresa. A solução para o pagamento dos salários (os de fevereiro já foram pagos) passou por um acordo entre a TAP e a Groundforce, que vai vender à transportadora equipamentos no valor de 6,9 milhões de euros. Mas a disputa acionista permanece.
Esta semana, já no Parlamento, o ministro voltou à carga e denunciou que a Pasogal, maior acionista da Groundforce, só pagou os 3,7 milhões de euros pela empresa em 2018, seis anos depois da entrada no capital, decidida no Governo de Pedro Passos Coelho. Entretanto, recebeu “7,6 milhões de euros” em comissões de gestão. Os epítetos do ministro a Alfredo Casimiro sucederam-se: “um homem que provou que não é sério”; que “não comprou empresa nenhuma, recebeu dinheiro para a ter”.
“Negociante” aos cinco anos
Mas quem é Alfredo Casimiro, o empresário nos últimos dias tem estado no centro da polémica com a Groundforce? António Alfredo Duarte Casimiro, de seu nome, nasceu a 23 de julho de 1966, de uma família oriunda da aldeia de Cabanas de Torres, concelho de Alenquer. O pai foi trabalhar para a Carris, a mãe era doméstica, moravam inicialmente num quarto alugado. A sua infância é passada em Odivelas, onde nasce, no seio de uma família de classe média baixa, com uma “vida remediada, limpa, organizada”, lembrou na referida entrevista à RTP.
O orçamento “muito apertado” com que viviam terá despertado a sua veia empreendedora. Diz que vendia os excedentes da horta familiar pelos vizinhos – os primeiros negócios acontecem aos cinco anos. Mais tarde, a paixão pelos livros leva-o a transacioná-los numa pequena banca junto à paragem do autocarro 36, em Odivelas, onde esteve três anos da sua adolescência, contou. Ter sido testemunha de Jeová deu-lhe valores e “técnicas de venda” que vieram a ser-lhe úteis em toda a sua vida, reconhece. “Durante os anos em que estive, aprendi muito. Que o não é o princípio do sim. Que é preciso insistir e conseguir,” relatou em entrevista a Anabela Mota Ribeiro, em 2010.
O crescimento da família dificulta as condições financeiras e leva-o, aos 14 anos, a optar por um curso técnico-profissional na Casa Pia, onde se forma na área da eletrónica, como radiomontador de grau III. Aos 18 anos vai para a Magnetic Peripherals Corporation em Palmela, uma fábrica de componentes eletrónicos, e mais tarde para a Control Data.
É na tropa, quando integra o batalhão de serviços e transportes, que contacta primeiro com a gestão da máquina logística militar e conhece por dentro todos os pormenores operacionais, incluindo as “pequenas manhas dos motoristas”. Acaba a pensar num negócio de serviços de transporte e logística, de onde viria a resultar em 1990 a CCC Transportes Urbanos (mais tarde Urbanos), criada a partir de poupanças de dois mil contos e com o pai e o tio como sócios a trabalhar “de borla” durante um ano.
Nos anos seguintes constrói o “império” à volta do grupo, mais conhecido por fazer mudanças para grandes empresas. Compra a primeira prenda para si, um Mercedes descapotável, aos 33 anos. Em meados da década de 1990, começa a relacionar-se com pessoas de condição económica superior, em partidas de golfe. “Nunca tive raiva aos ricos. Sempre disse que um dia seria como eles,” dizia na entrevista a Anabela Mota Ribeiro. A Urbanos vai sendo apresentada como exemplo de melhor lugar para trabalhar no mercado nacional. Até chegar em 2012 à aquisição da Groundforce, ano em que também adquire os operadores RN Trans e McLane. A compra da participação maioritária na empresa de handling, por 3,7 milhões de euros, está hoje concentrada na Pasogal, criada em 2011.
Em 2016, a trajetória de crescimento é interrompida pela entrada do Grupo Urbanos em Plano Especial de Revitalização, por dívidas de 44 milhões de euros, 8,5 milhões dos quais ao Estado, acabando num plano aprovado pelos credores no final de 2017, à segunda tentativa. Várias empresas debaixo do chapéu urbano foram, entretanto, transparecendo dificuldades. No mesmo ano a Distrinews, empresa de distribuição de jornais e outras publicações também do universo Urbanos, criada quatro anos antes, fechou portas. Outra empresa do grupo, a Urbanos Distribuição Expresso, também encerrou a atividade em setembro de 2019.
O universo empresarial
Hoje, o nome de António Alfredo Duarte Casimiro surge ligado a pelo menos 17 empresas em Portugal, em áreas que vão da logística ao imobiliário, passando pela consultoria e gestão de participações sociais. Posições entrecruzadas em que surge quase sempre como presidente do conselho de administração ou administrador único. A maior parte destas firmas está relacionada com o negócio de transportes e logística e agregadas debaixo do chapéu Urbanos Grupo SGPS.
Além da Pasogal (criada em 2011 e que, para lá de acionista da Urbanos Grupo, controla também a maioria da SPDH – Serviços Portugueses de Handling, conhecida por Groundforce), é administrador único da ainda presidente de empresas como a Urbanos Soluções, Urbanos Serviços Partilhados ou Urbanos Supply Chain.
Esta última participada está presente com 25% do capital da Urban Wind, atualmente em liquidação – criada em 2014, de que Alfredo Casimiro é gerente, e que organizou a Volvo Ocean Race em Lisboa. E controla ainda a RN Trans, que em 2016 esteve envolvida no processo especial de revitalização e terminou 2019 com vendas de 1 milhão de euros e lucros de 75 mil.
O empresário é também presidente da Kashmir Imóveis, detida pela Urbysabedor, por sua vez controlada pela Exerce Imo, uma das participadas da Urbanos Grupo SGPS. As últimas contas da Kashmir Imóveis são de 2017: 2 milhões de euros em vendas e um empregado, segundo dados da Informa D&B.
Outra empresa que liderou foi a Distrinews II, declarada insolvente e dedicada ao comércio por grosso de livros, revistas e jornais. Paralela ao universo Urbanos está outra SGPS, a Cosmopart, que foi alvo de dois processos de dissolução – em 2015 e 2018 – por não ter prestado contas em dois anos consecutivos. Ambos os processos foram, entretanto, encerrados por regularização das contas, como consta dos registos no Ministério da Justiça.
Vários “nãos” num percurso empresarial de 30 anos que, se ainda for válido o que disse em 2010 em entrevista, podem ser encarados como o princípio de outros “sins”. Para isso será preciso “insistir e conseguir”, como na altura lembrou António Alfredo Duarte Casimiro.