O Orçamento do Estado para 2021 foi apresentado há apenas um mês, mas parece que passou uma década. O desenvolvimento rápido da pandemia – com recordes em número de novos infectados, internamentos e mortos – levou o Governo a apresentar uma série de novas medidas restritivas, à semelhança do que fizeram outros países europeus. Essas novas regras, uma espécie de “confinamento light”, deverão penalizar a atividade económica, um pouco como em março. Tendo sido preparado antes destes desenvolvimentos, será que o OE 2021 ainda está atualizado?
Os economistas com quem a EXAME falou estão convencidos que a economia será penalizada, eventualmente fazendo recuar novamente a atividade para valores negativos, mas não ao ritmo ou com a gravidade do Estado de Emergência anterior.
Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, dá três razões para isso: os serviços ainda não estavam normalizados; ao contrário de março, o confinamento não é generalizado; e “os consumidores já ganharam habituação a viver nesta situação pandémica”. Isso pode significar que não veremos uma nova subida da poupança e que as famílias estão mais à vontade para consumir nestas condições, por exemplo recorrendo mais a compras online.
A estes motivos, Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, acrescenta a capacidade de adaptação de negócios como a restauração e os cabeleireiros ao longo dos últimos meses, os sinais de solidez da indústria e de recuperação das exportações, as garantias acrescidas dadas pelo BCE desde março, a aprovação de uma série de apoios comuns pela União Europeia e a ação do próprio governo português, “com diversas medidas e pacotes de apoio ao rendimento das famílias, empresas e emprego” e da banca nacional, “concedendo moratórias e fornecendo crédito em abundância à economia”.
Tudo somado, as novas restrições são más notícias para a economia, mas não ao nível do último confinamento. O que não significa que consigamos escapar a uma nova contração do PIB.
“Penso que [as novas medidas] serão um custo significativo em termos de atividade económica, mas bastante inferior à que resultou do confinamento geral na primavera entre março e maio”, sublinha João Borges de Assunção, coordenador do NECEP, da Universidade Católica. “A economia ficou a cerca de 94% do nível do quarto trimestre de 2019 no terceiro trimestre passado. Ficou em cerca de 83% desse nível no segundo trimestre. Se medidas deste tipo ou equivalentes se prolongarem até janeiro a atividade do quarto trimestre deverá ficar entre esse dois níveis e o cenário de uma contração no quarto trimestre torna-se bastante plausível.”
Orçamento desadequado?
Ninguém sabe quanto tempo durarão estas medidas ou sequer se não haverá necessidade de as tornar ainda mais restritivas. É essa possibilidade enquadrada numa segunda vaga da pandemia muito violenta que nos pode levar a questionar se o OE 2021, preparado há várias semanas, é capaz de responder à dimensão da crise.
Já há um mês, Ricardo Santos, antigo economista da UTAO, escrevia no ECO que “quando foi entregue na segunda-feira, o Orçamento já parecia relativamente otimista, tendo em conta a evolução recente da economia, e pouco “generoso” no apoio à economia. Com a passagem a estado de calamidade em Portugal e com novas restrições anunciadas um pouco por toda a Europa nos últimos dias, este orçamento parece ainda mais afastado da realidade e dos apoios que serão necessários nos próximos meses”. E considerava que “tal como o orçamento suplementar, que deixou de o ser ainda antes da aprovação, também este orçamento para 2021 deixou de valer, menos de uma semana depois de ser apresentado. Um orçamento de contingência não serve para uma calamidade.”
Os economistas contactados pela EXAME não antecipam grandes desvios nas previsões. “Mesmo admitindo uma contração do PIB no 4.º trimestre entre 1% e 2%, assumimos uma descida do PIB de 8.1% em 2020, inferior à prevista pelo Governo no OE-2021 (-8.5%)”, refere Rui Bernardes Serra. “Para 2021 a nossa previsão é de um crescimento de 5.8%, também superior ao Governo (+5.4%), admitindo-se que haja uma melhoria da situação pandémica e que, ao longo do ano, começam sentir-se os efeitos do programa comunitário Mecanismo de Recuperação e Resiliência e que a poupança privada reprimida em 2020 será um efeito adicional de suporte para o consumo em 2021, sobretudo dos serviços que mais foram condicionadas em 2020, como os de turismo.”
Paula Carvalho também acha que ainda é demasiado cedo para decretar o OE 2021 desatualizado, pedindo mais tempo para perceber a duração e severidade das restrições de circulação. “Por enquanto diria que a estimativa de 2020, que constitui o ponto de partida para o próximo ano, é adequada. As previsões do Executivo estão bem enquadradas na maior parte das previsões de entidades oficiais nacionais e internacionais, embora mais otimistas em relação ao comportamento da economia e do emprego em 2021. Também não são muito distantes das nossas”, aponta.
João Borges de Assunção também não vê grandes desvios este ano, até porque o terceiro trimestre acabou por ser muito melhor do que os economistas antecipavam. Só por esse efeito, a contração do PIB deveria ficar entre os 7% e os 9%, quando a previsão do Governo é -8,5%.
Contudo, o coordenador do NECEP admite que as novas medidas poderão agravar este cenário central para uma quebra mais significativa, em torno de 10%. Uma das incógnitas é o impacto que poderá ter no Natal, um dos dois momentos mais importantes para o consumo ao longo do ano. Para alguns segmentos do comércio, ele pode representar mais de 50% das vendas anuais.
Para 2021, Borges de Assunção é mais pessimista. Já antes, o cenário do Governo lhe parecia otimista, com um crescimento de 5,4%. Agora, esse objetivo ficará ainda mais em dúvida se as medidas se estenderem para janeiro e se o resto da Europa continuar a seguir o mesmo rumo, o que pressionaria ainda mais Portugal.
Além das dúvidas em relação às previsões, o coordenador do NECEP questiona também a ambição das medidas de mitigação anunciadas pelo Executivo. “O problema adicional para o OE 2021 é que o governo devia acompanhar as medidas sanitárias com medidas equivalentes e adequadas na frente económica e financeira. As medidas de apoio à economia já pareciam insuficientes e o confinamento parcial agora anunciado e as perspetivas do seu prolongamento no tempo só agrava essa sensação de insuficiência”, avisa.
Bernardes Serra vê o copo meio cheio, explicando à EXAME que algumas das previsões existentes já foram negativamente influenciadas pelo agravamento da pandemia um pouco por toda a Europa. Com a notícia de avanços promissores na vacina da Pfizer, esses riscos descendentes podem tornar-se ascendentes e 2021 até correr melhor do que se espera.