São três empresas com uma forte ligação à tecnologia e onde as rotinas de trabalho remoto já estavam afinadas antes da pandemia. Agora, depois dos ajustes que houve que fazer em função dos colaboradores e das circunstâncias, o combate à nova vaga de contágio do SARS-Cov2 volta a pôr à prova as condições de trabalho à distância e os efeitos nas suas culturas internas. Mais tarde, uma vez superada a crise, já ninguém põe em causa o que ficará: um “melhor normal” em vez de um “novo normal”, com maior flexibilidade e menos idas ao local físico de trabalho.
No caso da Blip, onde os inquéritos internos feitos durante o confinamento demonstraram satisfação com as condições de apoio, só 10 dos 320 trabalhadores quiseram voltar às instalações findo o período de encerramento em casa na última primavera. Para o futuro, a grande maioria diz preferir trabalhar pelo menos metade do tempo fora das instalações do empregador. “Na Blip as pessoas hoje estão mais preocupadas em ter de voltar ao escritório do que ficar em casa,” resume Sara Sousa.
A head of RH da tecnológica foi uma das participantes do debate que juntou anteriores vencedoras do prémio Melhores Empresas Para Trabalhar numa partilha de experiências sobre as mudanças adotadas em tempo de pandemia e as alterações nas relações de trabalho que vieram para ficar. O painel decorreu esta quinta-feira, 5 de novembro, no âmbito do “Futuro do Trabalho”, iniciativa da EXAME que está a analisar esta temática em várias sessões online até ao final desta semana.
Tal como aconteceu na Blip, onde todos os trabalhadores estavam capacitados para trabalhar à distância e havia uma política de flexibilidade, também das outras duas empresas participantes neste painel a adaptação ao trabalho a partir de casa foi natural. Na Estoril-Sol Digital, desde a fundação em 2015 que todos os fluxos de informação passam pela cloud e não se usa papel. “Desde aí que o procedimento é as pessoas poderem trabalhar ‘anywhere’”, nota Rui Magalhães. Tanto que, com o fim da primeira vaga, “houve pessoas que nunca voltaram ao escritório. (…) E só um ou outro colaborador pediu – suplicou – para regressar,” refere o administrador da empresa de apostas online.
Neste caso, ajudou o facto de a grande maioria dos trabalhadores pertencer a um escalão etário mais jovem e não ter filhos. Mas nem sempre é assim. Nas situações em que há crianças a cargo ou outras dinâmicas familiares, a gestão de tempo foi mais exigente para quem passou os últimos meses a trabalhar a partir do domicílio. Na PHC Software, outra das distinguidas nas Melhores Empresas para Trabalhar, procurou-se conciliar o tempo de trabalho com as rotinas familiares específicas, permitindo coincidir os períodos de trabalho com os momentos de sono ou pausa na atividade dos filhos. “Na maioria das funções, analistas, programadores, na área de marketing, houve muito essa flexibilidade,” garante Luís Antunes, diretor de recursos humanos da empresa, no painel moderado por Tiago Freire, diretor da EXAME.
À adaptação ajudou ainda o facto de a PHC ter realizado em fevereiro, sem ainda prever a pandemia, uma formação em trabalho remoto que “de repente se tornou essencial,” recorda. Quando a 13 de março toda a empresa entrou em teletrabalho, não só já havia condições materiais (portáteis, por exemplo) como as pessoas estavam cientes do que fazer na nova realidade. Do lado do empregador colocou-se depois o desafio de, à distância, gerir equipas e garantir a coesão e a cultura interna, através de reuniões diárias, uma interação quinzenal dos colaboradores com o CEO e até momentos de descontração como desfiles de moda e happy hours transmitidos em streaming online.
Apoio psicológico, financeiro ou jurídico, comparticipação na compra de cadeiras mais ergonómicas e um bónus para colmatar custos de faturas de eletricidade ou água, além da aposta em ações de gestão de bem-estar, resiliência e stress foram ferramentas usadas pela Blip para apoiar os colaboradores na fase de confinamento. Mas neste período, em que a casa se tornou escritório e vice-versa, como garantir talvez o mais importante, que os tempos de trabalho e de descanso e para estar com a família não se diluem e se protegem os direitos dos empregados?
“As pessoas têm de estar preparadas para implementar uma estratégia para mitigar o trabalho fora de horas. Não sentimos isso como uma das principais dificuldades, o que é mais relatado é a quantidade de horas no Zoom. As pessoas sentem que estão mais em reunião,” salienta Sara Sousa. “Não pedimos às pessoas: ‘Já que estás em casa, faz lá o jeitinho’. Isso não existe,” diz por seu turno Rui Magalhães. Na Estoril Sol-Digital, garante, as horas extra em situações especiais são contabilizadas por exemplo nas funções em turnos. Já nos cargos de topo e em funções de gestão admite que é difícil manter a fronteira entre trabalho e descanso.
Luís Antunes está confiante que, depois no “novo normal” virá um “better normal”, com um sistema híbrido e maior flexibilidade. No caso da PHC, as equipas em Lisboa e Porto já se mudaram ou estão em processo de mudança para edifícios maiores onde a empresa vai tentar construir a melhor experiência de trabalho. “Vão ter vontade de ir para o escritório, com várias áreas onde vão poder conviver, estar juntos em ações presenciais,” afiança o diretor de Recursos Humanos.
Também a Blip antecipa alterações à política de flexibilidade, uma aposta na formação remota e um repensar do escritório, tanto mais que a equipa está a crescer. “No próximo ano vamos aumentar o número de colaboradores no Porto e podemos chegar a não ter espaço para todos. Ou aumentamos lugares ou passamos a ter o escritório só para as pessoas trabalharem em conjunto, para construírem relações,” especifica Sara Sousa.
Na Estoril-Sol Digital, o que ficou de positivo na flexibilidade que se acrescentou durante a pandemia será para manter, assegura Rui Magalhães: “Se víssemos que em casa a pessoa não tinha a mesma produtividade do que no escritório, vinha para o escritório. Mas isso nunca aconteceu. E, na pandemia, não perdemos produtividade.”