A decoração de estilo nórdico – minimalista, com muita madeira e muitas plantas que nos enchem os olhos de verde – não deixa de ser acolhedora, ao mesmo tempo que nos faz imediatamente perceber o que podemos esperar do espaço. As mesas corridas, umas altas e outras que podem transformar-se em enormes corredores de convivas, permitem a partilha dos vários pratos que compõem esta ementa que só muda a cada estação. Os pratos até podem ter nomes estranhos e os ingredientes não serem óbvios, mas o nosso maior receio não se concretiza: apesar de se apresentar como um lugar “saudável”, não vamos ficar com fome. Maria Gray dá uma gargalhada quando lhe colocamos a hipótese e explica que “uma das preocupações sempre foi não permitir que o lugar fosse rotulado”. A cozinha que serve no Local é a mesma que serve em casa, aos cinco filhos que acabaram por potenciar o seu gosto e criatividade pela cozinha. “Tive os primeiros filhos todos em escadinha e acabei por ficar em casa. Depois, quando os outros nasceram, achei que devia fazê-lo também”. Licenciada em Comunicação, criou em 2013 um blogue onde ia partilhando as receitas que experimentava com a família. “Comecei a fazer uma alimentação, chamemos-lhe, alternativa, muito antes desta vaga de preocupação que, entretanto, se sente”. Por isso, a utilização de panko ou de arroz integral já era uma realidade há anos na casa dos Gray. O blogue teve mais sucesso do que esperava, sobretudo porque “naquela altura não havia nada como os blogues de hoje. Era uma coisa super simples e básica” e no final de 2015 surge a oportunidade de ficar com pequeno espaço no Mercado da Vila, em Cascais, onde vive. Há muito tempo que tinha o desejo de ter um espaço onde pudesse partilhar a sua cozinha, e a altura pareceu-lhe a certa.
O investimento, “que foi de cerca de 70 mil euros” e que foi feito com recurso a capitais próprios, permitiu-lhe abrir o primeiro Local – Your Healthy Kitchen, num espaço que mantém até hoje. Não rotular o restaurante foi a sua prioridade, “porque isso afasta as pessoas” e Maria “não queria que o Local fosse um lugar de nichos. Precisava que as pessoas entrassem, experimentassem e se surpreendessem com a cozinha”, sem os preconceitos geralmente associados à comida saudável. O primeiro Local foi “crescendo com o Mercado” que hoje é um lugar praticamente incontornável da vila de Cascais e em março de 2016 decide arriscar no Palácio do Chiado. Marcou presença desde a inauguração do espaço até julho deste ano. “Abrimos este espaço, e isto é mais quem nós somos”, diz à EXAME numa conversa descontraída naquele que foi o primeiro Local – Your Healthy Kitchen, em nome próprio, na capital.
Lá fora, a luz de um outubro de verão entra pelos janelões enquanto o espaço é limpo e preparado para os almoços que em breve vão começar a ser servidos. Em plena avenida 24 de Julho, muito perto da Avenida Dom Carlos I, o Local serve cerca de 140 almoços durante toda a semana, que se juntam aos 90 consumidos no Local de Cascais. O grosso da faturação – 60% – é feito durante esta refeição, em ambos os restaurantes. “Isto agora tornou-se uma moda, não é? A alimentação saudável, mais diversificada, dando mais destaque aos vegetais…sempre foi a nossa filosofia e eu aproveitei a onda”, diz divertida a proprietária e criadora de todos os pratos que constam nos menus. “Os nossos produtos são de qualidade, mas podem não ser 100% biológicos – e daí também evitarmos rótulos – porque acho que nem faz muito sentido. Primeiro porque há coisas de qualidade que não têm que ser 100% biológicas e depois porque tenho um compromisso com o preço. É preciso desmistificar a questão de que para se comer bem é preciso gastar dinheiro”. No Local, uma refeição completa ronda, em média, os 15 euros – escolhendo um sumo natural e café, por exemplo. “Digo-lhe com a maior honestidade: faço um cálculo de 30% de margem sobre o preço de custo. Se eu aumentar muito os produtos biológicos [que são mais caros] vou aumentar muito os preços” sobre o cliente, algo que não quer fazer. Mas “um dos compromissos que eu tenho é comprar a produtores com produção própria”, por exemplo, esclarece. E nota que a carta oferece “vinhos naturais – e não vinhos biológicos – porque para passarem de naturais e biodinâmicos a biológicos têm que industrializar” e isso é algo que não lhe faz sentido.
Aqui há opções para vegetarianos, para vegans, para quem é intolerante à lactose e para quem não pode consumir glúten, todas inseridas na carta regular. “É uma forma de permitir que vários amigos venham aqui comer sem que algum se sinta excluído porque não come alguma coisa”, explica Maria Gray. “E sim, esta é a comida que continuo a fazer em casa”, atira com um sorriso garantindo que são os filhos quem pede. Sobretudo os poké, um prato havaiano que está a conquistar cada vez mais adeptos.
Com 55 colaboradores a trabalhar nos seus dois espaços, Maria vai ter que aumentar este número muito em breve: o Local Avenida vai abrir portas no final de novembro, com o mesmo número de lugares que o da 24 de julho, sem certezas sobre se também abrirá ao jantar. “É o que me deixa mais nervosa. Vou passar a ter 80 pessoas a trabalhar”, afirma com um sorriso carregado de responsabilidade.
Foi preciso aumentar o investimento em cerca de 250 mil euros para conseguir crescer em Lisboa, e Maria não parece querer ficar por aqui. “Agora é importante consolidar as três lojas. Sou uma pessoa muito cautelosa em termos de negócio, e preciso de entre 6 meses a um ano para analisar o resultado de cada espaço, mas se calhar no final do próximo ano podemos procurar outro sítio para expandir o Local”.
Para já, o objetivo é conseguir convencer cada vez mais pessoas a provar as suas alternativas que privilegiam as leguminosas – “o nosso negócio é vender legumes”, atira com uma gargalhada – e trabalhar nos pratos da próxima carta. Até lá, pode também experimentar o brunch do Local, disponível nos dois restaurantes aos sábados e domingos.