O mundo tem hoje o conhecimento necessário para combater as alterações climáticas, mas padece de falta de ação, pelo menos, à escala do problema. Emanuel Gonçalves, administrador da Fundação Oceano Azul, diz que temos dois problemas existenciais e “problemas existenciais não requerem políticas de ‘deixa andar’. Esse é o grande desafio – o enorme fosso entre conhecimento e ciência e a ação”.
Na sessão de encerramento do quarto “deep dive” das ESG Talks, desta vez sobre o oceano, o investigador explicou que a margem de manobra da emergência climática se cifra em 0,3 graus – a diferença entre o objetivo de aumento da temperatura de 1,5 graus até ao final do século e os 1,2 graus já atingidos. “Temos sempre dificuldade em imaginar a escala do problema. Para termos uma ideia da quantidade de calor que emitimos em excesso devido às alterações climáticas, ela é equivalente a cinco explosões nucleares de Hiroshima, por segundo, todos os dias, nos últimos 25 anos. E 90% deste excesso de calor é absorvido pelo oceano. Portanto o que vemos em terra, quando falamos de alterações climáticas, são 10% desta dimensão”, ilustra o responsável. “Portanto, se temos um problema desta escala, não podemos ter medidas paliativas, porque elas não vão funcionar”.
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Por outro, alerta para uma crise de extinção de espécies, com um milhão de espécies em risco de desaparecer nas próximas duas décadas. Para combater este flagelo, o especialista defende a criação de áreas protegidas que, em Portugal, teimam em não sair do papel: “Temos 0,001% de área protegida. Estamos muito longe do objetivo de 30%”. Emanuel Gonçalves argumenta que a proteção do ambiente não tem de ser vista como um entrave ao desenvolvimento. Pelo contrário, “se protegermos o oceano vamos ter mais espécies, mais biodiversidade, mais vida. E com essa vida, podemos ter mais economia, se soubermos fazer a transição para a economia da recuperação em contraponto à economia da destruição”. Para isso, é necessário olhar para a natureza viva como um valor concreto para a economia – “Uma árvore só é valorizada quando a cortamos e vendemos a madeira. Outro exemplo, é o turismo de tubarões nos Açores, que gente de toda a Europa. Mas continuamos a ser dos países que mais pesca tubarões na Europa. Temos escolhas a fazer relativamente à valorização do capital natural”.
Emanuel Gonçalves nota que um dos principais problemas no ordenamento do mar – cujo principal impacto é a sobreexploração de recursos que afeta 2/3 do oceano – é a inversão do ónus. “Tenho de provar a necessidade de proteger quando deveria ter de provar a necessidade de explorar, demonstrando que a minha forma de exploração é sustentável”. Em números: os oceanos – onde resta apenas 13% de área intacta – devia ser 100% protegido. “E depois abríamos a exploração em áreas concretas. Dessa forma, não estaríamos a tentar proteger 30% do oceano em 2030, mas sim a focarmo-nos na forma de intervenção económica que nos permita capitalizar esse capital natural. E isto para Portugal é de importância maior. Porque se há uma coisa que temos como recurso diferenciador na Europa é a natureza e, principalmente, a natureza marítima. Nenhum outro país da Europa tem a diversidade de recursos que nós temos”.
Uma política de Estado industrial que passa pela valorização da natureza e, consequentemente, a sua proteção, defende. No terreno, a Fundação Oceano Azul tem projetos, em diferentes fases de execução: “Temos uma iniciativa com as comunidades, no Algarve, que foi entregue ao Governo há um ano e meio e que tarda em ser implementada”. Já nos Açores, em parceria com o governo regional, a fundação prepara-se para proteger 30% do mar das ilhas já no próximo ano, com ciência, processos participativos e liderança política – “São três coisas fundamentais para conseguir fazer esta proteção”.
Em síntese, o especialista nota que “aquilo que construímos pós II Guerra Mundial, foi uma economia onde o nosso bem estar depende da destruição do planeta”. Hoje, temos o conhecimento e, com ele, “duas opções muito claras: podemos optar por continuar ou podemos optar por mudar”.
A sustentabilidade e os oceanos como recurso estratégico nacional encerraram o ciclo de conferências ESG Talks, em 2022. Uma iniciativa do Novo Banco, organizada pela VISÃO e pela Exame em parceria com a PwC e a Nova SBE.