Os trabalhos para despenalizar a Eutanásia na Assembleia da República já duram há quatro anos, mas até agora a lei tem sido sempre travada por Belém e pelo Tribunal Constitucional. Todavia, os deputados não baixaram os braços e, na terça-feira, na Comissão de Assuntos Constitucionais aprovaram (com os votos contra do Chega, do PCP e a abstenção do PSD, que viu ficar para trás o seu pedido de referendo) uma nova versão do projeto de lei. Esta sexta-feira, 9, será a vez do plenário aprovar o texto final, antes deste ser apreciado pelo Presidente da República, que vetou o documento pela última vez em novembro do ano passado.
O que é a eutanásia?
É a administração de fármacos que têm como objetivo provocar a morte por vontade de um doente em sofrimento e sob a supervisão de um profissional de saúde. A palavra tem origem grega e significa “boa morte”.
Como é punida atualmente, em Portugal?
A primeira vez que se falou sobre a possibilidade de despenalizar a eutanásia em Portugal foi em 1995 e há quatro anos que o diploma anda para a frente e para trás no Parlamento, sem que a morte medicamente assistida tenha alguma vez chegado a ser despenalizada. Por isso, um caso destes pode ser considerado homicídio privilegiado (punido com uma pena de prisão entre um e cinco anos); homicídio a pedido da vítima (até três anos de prisão) ou um crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (de dois a oito anos).
Esta circunstância tem levado alguns cidadãos portugueses a viajarem para países onde a morte medicamente assistida não é criminalizada com o intuito de colocarem fim às suas vidas. Entre 2009 e 2020, a associação Dignitas ajudou oito pessoas a deslocarem-se à Suíça com este objetivo. Um dos casos mais mediáticos foi o de Luís Marques, 63 anos, paraplégico há 55, que recorreu a esta estratégia.
Quem poderá pedir a morte medicamente assistida?
Um cidadão nacional ou residente em Portugal, que seja maior de idade, e se encontre numa situação de sofrimento de grande intensidade provocada por uma lesão definitiva de gravidade extrema ou por doença grave e incurável.
Como se avalia o nível de sofrimento de alguém?
Para ter acesso à eutanásia o sofrimento – que pode ser físico, psicológico ou espiritual – tem de ter por base uma doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, persistente, permanente e que seja considerada intolerável. Ou seja, tem de estar em causa uma doença que ameace a vida e que já esteja em fase avançada e irreversível.
Como se inicia o processo?
Um doente que reúna estes requisitos deve falar com o seu médico e preencher um documento escrito, assinado pelo próprio ou pelo seu representante legal, anexando um relatório com o parecer de um médico especialista.
O processo tem de ser enviado, de seguida, para a Comissão de Verificação e Avaliação (CVA), responsável por dar ou não luz verde ao caso. Esta comissão é composta por cinco personalidades: um jurista escolhido pelo Conselho Superior da Magistratura e outro indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico apontado pela Ordem dos Médicos, um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros e “um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida”.
Quanto tempo demora?
O processo demorará, em média, 2 meses
O projeto de lei estabelece um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento. Já o médico orientador tem 20 dias para dar o seu parecer e o segundo especialista 15 dias. Caso “o médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida” ou “admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões”, é obrigatório um parecer de um médico especialista em psiquiatria, que deve ser elaborado no prazo máximo de 15 dias, lê-se na proposta final, uma fusão dos projetos do PS, IL, BE e PAN.
Por sua vez, a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos da Morte Medicamente Assistida tem no máximo cindo dias úteis para analisar o processo.
E se o doente mudar de ideias?
O doente pode parar o processo em qualquer altura ou este pode ser automaticamente cancelado se o doente ficar inconsciente.
O doente tem de confirmar a sua decisão, pelo menos, seis vezes durante todo o processo
Também os profissionais de saúde que estão a acompanhar o caso podem abandoná-lo a qualquer momento, uma vez que estão protegidos pelo direito à objeção de consciência.
No texto estabelece-se ainda que o doente tem de confirmar a sua intenção pelo menos seis vezes durante todo o processo. A primeira por altura da entrega dos documentos e a última no momento antes da administração dos fármacos letais.
Onde pode acontecer?
Num local que apresente “condições clínicas e de conforto adequadas”. Preferencialmente, num hospital do Serviço Nacional de Saúde ou num dos setores privado ou social “que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado”.
Que apoios estão previstos para o doente?
Além do já mencionado especialista em psicologia, o doente deverá ter sempre acesso a cuidados paliativos.
É possível ser acompanhado no momento da morte?
Sim. É possível ter uma testemunha, escolhida pelo doente. Estarão ainda presentes o médico orientador e outros especialistas que tenham acompanhado o caso.
A eutanásia já foi vetada quantas vezes?
Duas.
O diploma da Eutanásia passou, pela primeira vez, na Assembleia da República em janeiro de 2021, mas foi travado no Tribunal Constitucional, que, apesar de não ter declarado a morte medicamente assistida inconstitucional, pronunciou-se contra algumas normas, deixando pistas para os deputados contornarem esta decisão.
Já em novembro do ano passado, depois de feitas alterações no texto, os parlamentares voltaram a aprovar a Eutanásia no Parlamento, mas o Presidente da República repetiu o veto, invocando “contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida” por o documento usar alternadamente os termos “doença fatal”, “incurável” e grave”.
Marcelo defendeu ainda, nessa altura, que não clarificar o conceito de “doença fatal” na redação final de uma lei que despenalize a morte medicamente assistida seria uma “solução radical”. Contudo, todos os quatro partidos que submeteram e viram aprovados projetos de lei riscaram esta expressão dos seus textos, concentrando-se antes nas pistas deixadas pelo Tribunal Constitucional.