Em Portugal, a ideia de taxar os combustíveis fósseis que estão a lucrar com a inflação tem andado para a frente e para trás na boca dos governantes. Em abril, o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, admitiu esta possibilidade e foi, depois, repreendido por isso. Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, e o primeiro-ministro, António Costa, defenderam sempre o contrário. Pelo menos, até entrar em cena Bruxelas.
A Comissão Europeia propôs, nesta quarta-feira, “uma contribuição temporária de solidariedade sobre os lucros excedentários gerados pelas atividades nos setores do petróleo, gás, carvão e refinaria”, numa nota divulgada depois do discurso do Estado da União da presidente, Ursula von der Leyen. O Executivo comunitário insta os Estados-membros a tomaram esta medida “limitada no tempo” e a aplicarem o imposto com base “nos lucros de 2022 superiores a um aumento de 20% em relação à média dos lucros dos três anos anteriores”. As receitas seriam aplicadas em ajudas aos consumidores de energia, sobretudo para os agregados familiares vulneráveis e as empresas mais afetadas com a inflação provocada pela Guerra na Ucrânia.
Dentro do PS tema causa divisão. Carlos César, Alexandra Leitão, Pedro Marques e ministro António Costa Silva são a favor da taxa. António Costa, Medina não têm simpatia pela medida
Apesar disto, o entendimento do primeiro-ministro português e do seu ministro das Finanças é outro. Ainda no sábado, 10, Fernando Medina reafirmou que a escalada dos preços da energia “não se resolve com taxas”. E já antes tinha referido (na sequência da adoção da mesma em Itália, na Bélgica, na Bulgária e na Roménia) que esta decisão estava condenada ao fracasso, desmentido que a ideia estivesse a ser equacionada pelo Governo, como sugerira, em abril, António Costa Silva.
“Não podemos hostilizar as empresas. Mas o que vamos fazer é falar com elas e considerar um imposto windfall tax para os lucros aleatórios e inesperados que estão a ter”, tinha dito António Costa Silva, no debate do Programa do Governo, na Assembleia da República – ideia que foi apoiada pelo Bloco de Esquerda. Fora do Parlamento, vieram a público outros destacados militantes socialistas defender o novo imposto sobre os lucros inesperados, entre eles o presidente do partido, Carlos César, a ex-ministra e agora deputada Alexandra Leitão e o ex-ministro e atual eurodeputado Pedro Marques.
António Costa teve até então sempre uma inclinação para desvalorizar esta medida. Contudo, em entrevista à TVI/CNN, na terça-feira, optou por colocar o ónus da decisão na Comissão Europeia: “Nem excluímos nem decidimos. Estamos a acompanhar a par e passo essa situação. Temos estado a ver a situação noutros países que anunciaram essa medida e um deles teve de rever essa medida”, notou, em linha com o que já havia dito, no fim-de-semana, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias.
“Se se justificar, haverá medidas e se não se justificar não haverá medidas”, acrescentou o primeiro-ministro, que não escondeu, no entanto, que a sua preferência seria ir por outros caminhos. “Se encontrarmos um mecanismo em que os ganhos extraordinários vão diretamente para o consumidor isso é talvez um mecanismo mais eficiente e mais inteligente para o consumidor do que estar o Estado a apropriar-se desse dinheiro”.
Também o líder do PSD é contra este imposto. E ainda esta semana desafiou Costa a “erguer a sua voz” e desafiar a Comissão Europeia a inibir-se de publicar esta orientação. “Nós, no PSD, não somos favoráveis à criação de mais nenhum imposto sobre as empresas, mesmo aquelas que têm, nesta fase, lucros de uma dimensão maior do que é habitual”, manifestou Luís Montenegro.