Portugal corre o risco de entrar num ciclo de instabilidade a partir das eleições de dia 30, o que poderá ter consequências negativas para a atividade económica nacional. “Vai fazer diferença se, no domingo à noite, tivermos uma solução governativa clara ou, caso não a tenhamos, se houver arte para encontrar uma solução que elimine essa incerteza, que seria acrescentada às que já existem”, considerou Fernando Alexandre, economista e professor da Universidade do Minho. “Será mau se tivermos soluções precárias e estivermos muitos meses à espera.”
O economista falava no Porto, durante a abertura dos trabalhos da conferência dedicada às maiores PME nacionais, organizado pela revista EXAME em conjunto com os parceiros Informa D&B e Deloitte que, pelo 27º ano consecutivo, realizaram um estudo para distinguir as PME que melhor desempenho tiveram no exercício anterior, dentro do universo das 1000 maiores Pequenas e Médias Empresas nacionais.
Numa conversa sobre a evolução da economia portuguesa em 2022, Fernando Alexandre explicou que a recuperação mais demorada de Portugal, em comparação com outros países europeus, se justifica com a dependência do País do turismo, que tem sido mais lento do que outros setores a recuperar da crise. No entanto, lembra que as dificuldades de crescimento portuguesas não nasceram agora. A economia tem avançado a um ritmo relativamente lento desde a viragem do século. E, embora, fique satisfeito com o facto de o tema ter entrado na campanha eleitoral, lamenta a forma como ele é discutido.
“Não noto que nenhum partido fale naquela que, para mim, é a grande questão: a qualidade das instituições. A qualidade da Administração Pública, a rapidez com que se resolvem problemas na Justiça ou de infraestruturas. Pode parecer abstrato, mas é o que torna os mercados menos eficientes e traz dificuldades às empresas. Se não melhorarmos, vamos ter dificuldades em sair desta armadilha”, referiu Fernando Alexandre.
Em sua opinião, este seria o momento adequado para ter este debate, já que estamos a sair de uma crise pandémica, com dificuldades económicas e de saúde pública, contas públicas fragilizadas e vendo no horizonte uma nuvem negra de inflação, que tem continuada a escalada dos últimos meses.
“A pressão da Alemanha será muito grande no sentido de o BCE mudar a sua política. Christine Lagarde não quer falar disso, mas já a ouvimos dar o dito por não dito”, antecipa. O que deve fazer Portugal? “Dados os riscos para Portugal, devemos ter uma política orçamental cautelosa. Temos de andar à frente das exigências da UE”, explicou ainda.
Novas entradas mais dinâmicas
Na conferência em que foram anunciadas as mil maiores PME portuguesas, Maria João Cardoso, da Informa D&B, explicou um pouco as tendências mais relevantes de 2020 neste grupo de empresas.
Como seria de esperar, elas mostram-se mais dinâmicas do que a generalidade da economia, apresentando um crescimento de 2,6% do volume de negócio, mesmo no pior ano da pandemia, o que contrasta com um recuo de 9,6% na totalidade do tecido empresarial português. Aumentaram o número de trabalhadores em 1,7%, as suas exportações em 6,1% e os seus lucros em 30,2%.
Como se explica? É que a Covid-19 arrasou muitas empresas e setores, mas também criou alguns vencedores. “Não foi tudo mau. A pandemia criou oportunidades de negócio”, apontou a representante da Informa D&B. Isso é visível no grupo de novas PME que entrou para este top 1000, com um desempenho claramente melhor do que aquelas que transitam de um ano para o outro.
Segundo os dados da Informa D&B que a EXAME publica na sua edição deste mês, a rotação de empresas nestes rankings costuma ser 23% ao ano, mas em 2020 entraram 299 novas PME (uma renovação de 30%). Essas novas entradas apresentaram um crescimento de 19,2% do seu volume de negócio, o que compara com uma quebra de 2,6% para as empresas que já constavam da lista em 2019.
“A entrada de empresas para o ranking deveu-se a diferenças na procura de bens e serviços” durante a pandemia, explicou Maria João Cardoso. Uma economia abanada pelo coronavírus provocou resultados assimétricos. “Saíram [do ranking] 16 empresas dos serviços gerais onde está o turismo. E depois temos o inverso: os setores em que tivemos mais entradas foram o grossista e a construção. Falta saber se o crescimento destas empresas se vai prolongar no tempo.”
Na totalidade, as 1000 maiores PME têm um volume de negócio de 18,6 mil milhões de euros (6% do total nacional) e empregam 71 mil pessoas (3% da mão-de-obra).
Chuva de milhões
As PME são, em regra, discriminadas de forma positiva no acesso aos fundos europeus, mas nem sempre conhecem os aspetos a realçar quando apresentam as suas candidaturas. Susana Enes, partner da Deloitte destacou, na mesma conferência, os cinco aspetos que as empresas devem ter em atenção, na apresentação das candidaturas às “as grandes oportunidades” que, segundo afirmou, ainda podem ser aproveitadas no Portugal 2020, mas também no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vulgo “bazuca”, e no próximo quadro financeiro plurianual Portugal 2030, cuja execução se prolongará até ao ano 2029.
Assim, de acordo com a partner da Deloitte, planear ao longo do tempo o projeto de investimento, em linha com a estratégia da empresa, é a primeira das “regras de ouro” a ter em conta nas candidaturas. De seguida, deve ser validado se o projeto cumpre as condições de elegibilidade, como a localização, o montante do investimento e os licenciamentos. O terceiro passo exige a quantificação das despesas de investimento, para demonstrar a viabilidade económico-financeira do projeto, e o quarto consiste na avaliação do mérito, através de uma análise detalhada às diferentes variáveis. Por último, deverão ser analisadas as obrigações contratuais a cumprir e a manter ao longo do período de execução.
No painel seguinte, dedicado ao prémio Inovação em Prevenção, cuja segunda edição está ainda a decorrer, a responsável de sustentabilidade da Valérius Têxteis, Cátia Oliveira, apresentou o projeto vencedor da edição anterior deste prémio na categoria Ambiente. Conforme explicou, o projeto Valérius 360 é uma unidade de reciclagem destinada a aproveitar o desperdício pré e pós-consumo da indústria têxtil, aberto a todas as empresas do setor que queiram participar numa iniciativa definida como sendo de “valorização do desperdício e de criação de um produto com grande valor acrescentado”.
Com um investimento de 25 milhões de euros, a Valérius está a testar a transformação em papel das fibras têxteis não aproveitadas que, até agora, se destinavam ao lixo comum. Com este modelo de negócio circular, inédito a nível mundial, “a fábrica ficará com zero por cento de desperdício”, garantiu Cátia Oliveira.
Até ao momento, a segunda edição do prémio Inovação em Prevenção conta com perto de uma centena de candidaturas nas categorias Pessoas, Ambiente e Património, de acordo com Gustavo Barreto, CCO da Ageas Portugal.