De cada vez que uma vaca, uma ovelha ou um porco é tratado com diclofenaco, é posta em causa a vida dos abutres. O diclofenaco é um anti-inflamatório que os humanos tão bem conhecem, tomado habitualmente para atenuar as dores musculares e de costas. O mesmo princípio ativo que alivia as dores dos bovinos, poderá levar à falência renal mortal dos abutres. Os cadáveres do gado fazem parte da cadeia alimentar destas aves necrófagas, com destaque para os abutres. Quando os animais morrem são colocados nos alimentadores, ficando assim à mercê destas aves, podendo interferir na sua cadeia alimentar. Já nos anos 1990, este medicamento foi a principal causa do desaparecimento de 99% dos abutres no sul da Ásia, devido ao consumo dos cadáveres de gado tratado com este medicamento. O mesmo pode agora vir a acontecer em Portugal e Espanha.
As espécies mais afetadas são sobretudo o abutre-do-egipto e o abutre-preto, sendo que a Península Ibérica tem as populações mais numerosas da Europa. Existem várias centenas de casais a nidificar em Portugal, especialmente, no Douro Internacional, no Tejo Internacional e no Guadiana. Também há suspeitas de que algumas águias, como a águia-real e águia-pesqueira, ambas espécies protegidas, possam vir a ser atingidas.
Existe uma estratégia ibérica para alertar e prevenir o problema, com um projeto coordenado pela Universidade Autónoma de Barcelona, que conta com uma equipa portuguesa de três investigadores, coordenada pelo biólogo Carlos Fonseca do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.
Com o estudo numa fase inicial, ainda não foi possível determinar que quantidades de diclofenaco são precisas ingerir para influenciar a população de abutres e levar à sua morte. “Esta é claramente uma ação preventiva, porque neste momento a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária está em vias de autorizar a administração deste anti-inflamatório em bovinos, em Portugal. Vamos estudar e ver a partir de que doses pode ter implicações nas aves necrófagas e depois tomar decisões”, explica Carlos Fonseca. Em Espanha, o uso deste fármaco em gado pecuário já foi autorizado, há cerca de dois anos.
Em Portugal, foi criada uma primeira amostragem, com 30 aves, a partir de uma rede com os Centros de Recuperação de Animais Selvagens, onde chegam muitos destes abutres e aves de rapina que são recolhidas no campo, alguns já mortos, outros em condições debilitadas. É através da análise dos órgãos dos animais que analisam a influência do diclofenaco na morte dos mesmos. As primeiras conclusões serão apresentadas, em meados de 2018, à financiadora da investigação, a americana Morris Animal Foundation, organização sem fins lucrativos que investe em investigação para promover a saúde animal.