Podemos encarar a própria vida como uma espécie de matança ritual: afinal, caminhamos para a morte desde o dia em que nascemos. Mas a “matança ritual” é, aqui, outra: aquela que é desencadeada a partir de um dado momento, causada por um acontecimento marcante, ou até mesmo traumatizante, que nos faz chegar à conclusão de que nada podemos contra o mundo, de que a única maneira de sobreviver é mesmo cedendo. É o momento em que vendemos a alma ao diabo.
Depois de ter encenado Órfãos em 2017, Tiago Guedes volta à obra de Dennis Kelly com A Matança Ritual de Gorge Mastromas, com Bruno Nogueira como protagonista.
“Há uma cena muito importante em que o Gorge se apercebe de que a sua forma de funcionar – fazendo o que é correto, fazendo o que está certo – nunca vai permitir-lhe vencer, há uma mulher que lhe demonstra que os fracos não vão ter espaço no mundo deles. O mundo é dominado por pessoas como ela, que fazem o que for preciso, pessoas que não estão presas a valores de qualquer espécie”, diz Tiago Guedes. “Com este texto, Kelly está a refletir sobre o tipo de sociedade em que vivemos, que potencia comportamentos como este do Gorge; demonstra-nos, por A mais B, que fazer a coisa correta não te leva a lado algum.”
No início da peça há um coro que vai relatando a vida de Gorge, desde que nasceu até à fase adulta. Aos poucos, esse coro vai desaparecendo, vai perdendo a sua força em palco. Para o final da vida, Gorge torna-se um eremita, amargo mas poderoso. “Ele é completamente niilista”, descreve Tiago Guedes, lembrando conceitos como a banalidade do mal e a desresponsabilização individual. “Ele diz à Luísa [sua mulher], quando ela o deixa: ‘Na realidade, nada importa, nada disto é relevante.’” Uma espécie de morte?
A Matança Ritual de Gorge Mastromas > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. de D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > 25 mai-28 jun > qua e sáb 19h, qui-sex 21h, dom 16h > €9 a €16