Atenção, nem todo o cinema de animação é para crianças, tal como nem todo o cinema em imagem real é para adultos. Confundir o método com o conteúdo é um equívoco que pode criar dissabores. Anomalisa, a primeira longa-metragem de animação do multipremiado argumentista Charles Kaufman, é um filme de animação para adultos. Aliás, é capaz de chocar os espectadores mais sensíveis… Na mesma medida que poderá sensibilizar os espectadores mais chocantes. Anomalisa está nomeado para os Oscars, na categoria de animação, mas as suas possibilidades são reduzidas, dada a concorrência de produções maiores como Inside Out ou A Ovelha Choné.
Apesar desta ser apenas a sua segunda longa metragem, Kaufman está longe de ser um novato em Hollywood. Tem um percurso notável como argumentista, com histórias que revelaram uma criatividade absolutamente fora de série. Como O Despertar da Mente, que lhe valeu um Oscar em 2002, ou o hilariante Quem Quer Ser John Malkovich?. Aqui Kaufman insubordinou-se contra o sistema e fez um filme em absoluta liberdade e independência, e também, claro, com dificuldades orçamentais.
A sua opção por contar esta história em animação de volumes é surpreendente e desconcertante, até porque se afasta das normas estéticas habituais dos filmes de animação do género. E não deixa de ser irónico que um filme feito com bonecos receba o título do filme mais humano do ano… Kaufman não opta por uma experimentação extrema, como fazem alguns animadores de vanguarda, nem explora particularmente a componente estética para criar um objeto de extrema beleza, como faz a escola do leste europeu. Contudo, encaixa uma forma pausada de digerir o tempo pouco habitual no cinema animado, onde muitas vezes há uma tendência para explorar exageradamente o movimento.
Anomalisa é um filme que decorre num não lugar, um hotel que não sabemos onde é, mas que evoca solidão e estranheza, um pouco ao estilo de Lost in Translation. E faz-se valer dessa deriva interior, manifestada na busca do outro, através da personagem central, que é um guru dos serviços de atendimento ao cliente. A circunstância de solidão, numa espécie de suspensão do tempo, leva a uma confusão de desejos e sentimentos, que Kaufman desfaz, servindo-se de subterfúgios apetecíveis no cinema animado. Desta vez assinando a realização, Kaufman confirma-se como um dos mais criativos argumentistas de Hollywood.
Anomalisa > De Charlie Kaufman e Duke Johnson > animação > 90 min