Camilo Castelo Branco, Bernardo Soares, Amadeo de Souza-Cardoso… São muitas as figuras artísticas e literárias que povoam a obra de Mário Cláudio. Sem complexos e com muita criatividade, o escritor não se inibe de convocar grandes vultos ou criações da cultura portuguesa para dentro dos seus romances. É uma apropriação amorosa, nascida da vontade de ir além da admiração. Esse mesmo exercício encontramos em As Batalhas do Caia, publicado em 1995 e agora em segunda edição. Com Eça de Queirós como personagem principal, a trama anda à volta de um romance que o autor de Os Maias nunca concluiu. O que essa obra poderia ter sido encontramos nesta engenhosa e admirável ficção de Mário Cláudio.
“Que escândalo! Que escândalo!” Quando Eça de Queirós leu a um membro da embaixada portuguesa em Londres (na altura, Eça era cônsul em Newcastle upon Tyne, mais tarde em Bristol) excertos do romance A Batalha do Caia que ele andava a escrever, a reação foi de quase pânico. Um diplomata a escrever um romance que imaginava uma invasão espanhola a Portugal? Um grave incidente diplomático! Inspirado pelo desconcerto do funcionário, Eça congeminou um plano: pedir ao governo uma recompensa por não publicar esse romance (que ainda não tinha escrito…). Ninguém alinhou na “chantagem”, nem Ramalho Ortigão, cúmplice de outras aventuras, e A Batalha do Caia ficou-se pelo projeto (resta um guião) e por um conto, também nunca publicado (A Catástrofe). É a partir de todos estes elementos, alguns mordazes, outros improváveis, que Mário Cláudio constrói a sua narrativa. A batalha passa a plural, porque se acrescenta matéria à já de si matéria literária. Em jeito de homenagem, o escritor ficciona o dia a dia de Eça de Queirós, as suas frustrações e epifanias, e propõe uma redação para um romance que nunca houve. Na guerra da escrita, a vitória da imaginação.