Foi apelidado de “arrogante”, “provocador” ou “louco” assim que acabou de falar. O discurso do presidente libanês Michel Aoun, ao invés de apaziguar os protestantes, como era seu intuito, acabou por provocar um recrudescer dos protestos no Líbano. Quase um mês depois de as primeiras manifestações terem enchido as ruas desde Beirute a Tripoli, os libaneses vieram reforçar a sua posição: não saem das ruas enquanto as elites não os ouvirem.
Entretanto, esta terça-feira, 12 de dezembro, precisamente depois de Aoun falar, militares libaneses dispararam com o intuito de “dispersar os manifestantes”, mas uma das balas acabaria por ferir mortalmente aquele que já está a ser apelidado de ‘o novo mártir’ nas redes sociais e nas ruas do Líbano.
“Se as pessoas não estão satisfeitas com nenhum dos seus líderes, que emigrem”, afirmou Michel Aoun durante a entrevista televisiva em que aproveitou ainda para dizer que se os protestantes não saírem das ruas, podem estar a provocar uma “catástrofe” e a ir contra os interesses do país.
“Estamos a trabalhar dia e noite para resolver esta situação”, afirmou ainda. “Se continuarem [as manifestações], vai acontecer uma catástrofe. Se pararem, ainda temos tempo para resolver as coisas”, realçou, citado pela Al Jazheera.
As palavras de Aoun foram tidas como paternalistas e críticas e só aumentaram a paciência dos manifestantes, que continuam a bloquear estradas, obrigar ao encerramento de instituições e que agora enchem, também, as ruas de arte.
Vários grafittis têm surgido em paredes, chão e taipais ao longo de Beirute, tal como revelam as fotografias enviadas à Visão por Rui Fernandes, que vive na capital libanesa há mais de um ano. Em declarações à Visão, o português admite que o clima ainda é pacífico mas que se começa a sentir o agravar das tensões, sobretudo tendo em conta o tempo que passou sem que haja grandes decisões por parte das autoridades.
Sem Governo
No final do mês passado, e para tentar acalmar os protestos, o primeiro-ministro al-Hariri demitiu-se, mas até agora não foi possível encontrar uma solução governativa.
Entretanto, a situação económica do país vai-se deteriorando também, com os bancos a decidir fechar portas com receio do aumento da violência, e a imporem apertadas restrições, por exemplo, a transferências de dinheiro para fora do país e ao levantamento de dólares americanos para tentar, de alguma forma, mitigar os efeitos dos receios em torno do futuro a curto prazo.
Atualmente a debater-se com uma dívida que chega a 150% do PIB nacional, o Líbano também já foi avisado pelo Banco Mundial de que a economia deverá enfrentar ainda maiores dificuldades se não tiver um Executivo em formação rapidamente.
Segundo os especialistas, a formação de um governo naquele país já é um processo que costuma demorar vários meses, com as regras constitucionais a implicar um equilíbrio de poderes bastante sensível – recorde-se que o pacto nacional de 1943 obriga a que o presidente seja cristão maronita, o primeiro-ministro sunita e o presidente do parlamento xiita.
Segundo Aoun, Hariri parece não estar disponível para encabeçar outro Executivo, pelo que o presidente estará à espera de repostas dos vários líderes religiosos e partidários para começar a endereçar convites formais. O Hezbollah, maior força política do país, tinha-se oposto a qualquer alteração da formação ministerial, antes da demissão de Hariri, mas no início da semana já mostrou alguma abertura para uma possível negociação com outras forças políticas.
Resta saber quanto mais tempo os libaneses levarão a espalhar arte ao invés de violência pelas ruas. Para já, as palavras de ordem que se ouvem nas ruas de Beirute são as mesmas que há um mês: “O povo quer que o governo caia” e “O Líbano é de todos e para todos”.