Filibusteiro
Na categoria dos rapinadores dos mares quinhentistas, seiscentistas e setecentistas, há, contudo, uma subtileza. Em rigor, ao filibusteiro associava-se os mares das Antilhas, mais do que qualquer outro mar ou oceano. Um preciosismo geográfico, por certo.
Nos países anglo-saxónicos, de onde aliás provém, a palavra ganhou um outro significado: boicotar ou sabotar.
Por isso, nos Estados Unidos se chama de filibuster ao parlamentar que usa da palavra horas e horas a fio para impedir a aprovação de uma lei. No filme clássico de 1939, Mr. Smith goes to Washington, de Frank Kapra, há uma memorável cena de filibustering.
A Época Moderna foi o tempo em que os tempos mudaram.
E quem ficou para trás perdeu alguma da sua antiga influência e velha preponderância. Foi o caso da Igreja Católica que, confrontada com a cisão protestante, iniciada em 1517 pelo monge agostinho Martinho Lutero, viu milhões de crentes, sobretudo do norte e do centro da Europa, abandonarem a sua fé em Roma e no papado.
Esta época foi ainda o tempo da chamada Reforma protestante a que a Igreja respondeu com a Contrarreforma. O tempo em que a luta entre católicos e protestantes degenerou em condenações mútuas, perseguições e guerras, curiosamente em nome do mesmo Deus e do mesmo Cristo, mas já se sabe como são estas coisas.
Quixotesco
… que designa alguém ridículo, fora do seu tempo, alienado, ultrapassado, um bravo combatente de causas perdidas ou nunca achadas, um incurável romântico cuja cabeça está nas nuvens sem ter os pés na terra, alguém que provoca o riso pelas tontices que diz ou comete, alguém que…
Já chega. Como se dizia antigamente, não batamos mais no ceguinho. Contudo, a verdade é que, afinal, não há quem não goste de Dom Quixote. A figura tola cativa-nos talvez porque, no fundo, alienado ou não, é alguém livre das comezinhas amarras deste mundo, alguém que escolheu o seu destino ainda que tolamente, que por tal destino pugna e que, afinal, é até capaz de ser o que muitos de nós já nem se atrevem a ser: feliz e livre.
E se o caro leitor duvidar desta condescendência para com a personagem, experimento o seguinte. Quando, num dia de verão, tiver a felicidade de calcorrear as planuras secas da Mancha de Castela, entre Albacete e Toledo, pare, busque uma sombra e leia para si em voz alta, de preferência no original (perdoe-me o pretensiosismo, mas a coisa em castelhano tem mais salero):
Eu nu lugar de La Mancha, de cuyo nombre no quiero acordanne, no ha mucho tiempo que vivia un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor.
Então, e só então, o leitor terá verdadeiramente entrado em Espanha. Seja quixotesco à vontade.
Claro que quem não achou grande graça a algumas destas liberdades utópico- literárias foi a Igreja. Pelo sim pelo não, Cervantes fez o seu Quixote reconciliar-se com os seus e com o seu tempo, no final.
Viviam-se tempo difíceis para Roma, como já se disse, com os protestantes em cisma, com os cientistas a perturbarem dogmas bafientos e com os humanistas a reclamar por alterações eclesiais que tardavam. A Igreja não estava para brincadeiras e proibiu várias obras (como a Utopia, de Moore, e o Pantagruel, de Rabelais) por serem alegadamente perigosas, obscenas e indecentes.
Eugenia
Definida pelo seu criador — Francis Galton (1822-1911) – a eugenia é o estudo dos agentes sob controle social que permitem melhorar ou piorar as qualidades raciais das gerações futuras, seja física, seja mentalmente.
Com o tempo, a eugenia acabou por se transformar, mau grado as boas intenções higienistas de alguns, num processo de apuramento dos seres humanos em termos raciais, condicionando os nascimentos, os casamentos, forçando esterilizações e levando até à eliminação física dos elementos tidos como incuráveis e indesejáveis. Pressupostos (ou preconceitos) rácicos e a tendência para a catalogação dos seres humanos estão na base destes excessos, pois parte-se do princípio de que há pessoas/raças inferiores e superiores cuja mistura é negativa. Logo, convém legislar no sentido de impedir tal mistura ou até de ir mais além.
Se o caro leitor está a pensar na Alemanha nazi, sempre posso dizer que não foi só aí que se aplicaram leis e medidas eugénicas. Na primeira metade do século XX, também nações tão insuspeitas como a Suécia e os Estados Unidos puseram em prática leis desse tipo.
É de notar que a eugenia pretendeu sempre ter uma sólida vertente científica. Era uma alegada resposta da ciência a problemas sociais, mentais ou até económicos. Na sua base estava a análise de um pensador inglês Thomas Robert Malthus (1766-1834) — que se dedicou à economia política e a estudos demográficos.
Zeitgeist
Vamos lá ver, meu caro leitor. De um modo geral, evitei estrangeirismos neste livro. Mas, às vezes, é incontornável, como já vimos. Este termo popularizou-se de tal forma, ou de tal forma é uma moda, que se toma interessante referi-lo, pois mais tarde ou mais cedo correrá o risco de o ouvir.
Zeitgeist é uma palavra alemã que significa o espírito da época ou o sinal dos tempos.
Talvez (vai-se a ver, e é o mais certo) o poeta Fernando Pinto do Amaral tenha razão no seu poema intitulado precisamente Zeitgeist, de que aqui trazemos um pequenino excerto:
Os meus contemporâneos falam muito / e dizem: «Então é assim», / com o ar desenvolto de quem se alimenta / do som da própria voz, quando começam / a explicar longamente as atuais tendências / das artes ou das letras ou das sociedades.
Aggiornamento
O termo, de origem italiana, foi bastante utilizado há alguns anos. Surgiu aquando do Concílio Vaticano II, em 1962, e significa atualização, ou, numa tradução muito livre, pôr em dia. Na época foi visto como um dos pilares programáticos deste concílio que visava, perdoe-se-nos uma vez mais o simplismo, aproximar a Igreja do mundo moderno. Isto é, atualizá-la nas suas relações com a modernidade…
Já nos meandros da política, o seu sentido é um pouco diverso; assim, aggiornamento passou também a significar as tentativas que alguns movimentos políticos mais ensimesmados faziam para se adaptar aos tempos novos (o nosso partido necessita de um aggionarmento).
Porém, e sem prejuízo de o caro leitor usar este termo numa aceção mais ampla, creio ser mais sensato que a sua utilização se circunscreva ao campo religioso católico onde teve origem. Mais sensato e, sobretudo, mais rigoroso. E perdoe-me se lhe pareço um pouco purista…
É evidente que as resistências antimodernas, nas suas variadas matizes, não se restringiram aos campos da religião (como vimos) ou da arte (como veremos). Politicamente, também surgiram, ao longo do século XX, variados movimentos políticos que se opunham ao modernismo, sendo este aqui encarado, numa aceção abusiva e libérrima, como todos os movimentos revolucionários que marcaram a segunda metade do século XIX e o século XX: do anarquismo ao sindicalismo, do socialismo à social-democracia. Recordo que estamos no campo da política…