“Dormir Bem Para Viver Melhor” é o título do mais recente livro do neurologista W. Chris Winter, especialista norte-americano do sono, do qual extraímos parte do capítulo dedicado a “outros distúrbios do sono tão estranhos que devem ser graves” (mais os 10 mandamentos para um sono saudável):
Síndrome das pernas inquietas
Tenho a certeza de que vai pensar que este próximo problema de sono é inventado, mas garanto-lhe que não. As farmacêuticas também não o estão a inventar para vender comprimidos para dormir, como alguns pacientes, e até mesmo alguns médicos, sugeriram. O facto de até o Saturday Night Live ter tido conhecimento do distúrbio, e ter feito um sketch sobre a “síndrome do pénis inquieto’ é suficiente para provar que este problema parece absurdo. Contudo, apesar do seu nome, a síndrome das pernas inquietas (SPI) é uma doença bastante real que afeta o sono de muitos indivíduos.
Imagine que é uma leitora que termina o jantar e se instala no sofá para uma noite de batatas fritas e Project Runway. Está ali, a Heidi Klum está ali, os concorrentes estão ali, incluindo aquele que é mesmo todo bom, mas um pouco mauzinho para os outros no ateliê… O que poderia ser melhor? Está esticada no sofá, a Heidi explica o desafio da noite, no fim diz a um concorrente que está fora, etc. Espere. Isto não é confortável. Puxa as pernas para cima e cruza-as numa posição de ioga: melhor. Mas, o que disse o Tim Gunn? Algo sobre manter um olhar crítico. Ah, o que se passa com as minhas pernas? Sente-se muito desconfortável.., como se tivesse insetos a rastejar no interior das pernas, bem lá dentro.., como uma irritação interna que não pode coçar! De repente, tudo o que quer fazer é mexer-se e, quando se mexe, sente-se melhor Agora, com as pernas dobradas, ajoelhada no sofá, sente-se ligeiramente melhor, mas a sua boa disposição está a desaparecer e o seu interesse por um monte de pessoas que fazem roupas a partir de tapetes e amostras de azulejos extingue-se rapidamente. Passam 20 minutos e está de pé, a andar de um lado para o outro, como se tivesse lagartas a mexer-se no interior das pernas. À medida que a noite avança, torna-se muito evidente que sempre que se senta, as pernas ganham vida com sensações novas e empolgantemente irritantes.
Com os planos estragados, vai enfiar-se na cama com um sentimento de impotência, resignando-se a dar o serão por terminado. Infelizmente, este não é um problema que passe a dormir. Na verdade, deitar-se e descansar agrava-o e só contribui para aumentar a frustração da noite, O seu corpo cansado implora por dormir, mas parece que as pernas não recebem a mensagem.
Que doença perversa é esta que parece desligar as suas pernas do, resto do corpo? É a síndrome das pernas inquietas, um problema quase impossível de descrever para alguns pacientes.
Atualmente há, por todo o lado, médicos que compreendem e tratam a SPI. Um dos maiores avanços foi perceber que as pernas não são o problema. É o cérebro. É assim que funciona: o nosso cérebro é, basicamente, uma forma de gelatina cheia de químicos que são segregados em vários sítios, o que faz com que as coisas aconteçam. Por vezes, quando um químico é libertado, bloqueia-se a si próprio. Também há outros químicos que o podem bloquear ou realçar. É uma rede incrivelmente intrincada de forças adjuvantes e opositoras. Estas forças são responsáveis por tudo o que os nossos corpos fazem. Estes impulsos contrários, por exemplo, garantem que nem o sono nem a vigília adquirem um domínio permanente nas nossas vidas.
De forma a prepará-lo melhor para poder explicar isto de modo inteligente aos seus amigos do Facebook (ou ao seu médico de família), substitua o termo neurotransmissor por químico, e voilá, deixe crescer o cabelo e pare de lavar os jeans – neste momento, está ao nível de um aluno de estudos pós-graduados. Há muitos neurotransmissores no cérebro. Um realmente importante é a dopamina, e por muitos motivos. Primeiro, é a grande ferramenta quando se trata de prazer. Sem ela, as festas das repúblicas estudantis seriam encontros livres de fumo e terminariam por volta das 21h00, com toda a gente a voltar sóbria para casa e a dormir sozinha.
Que mais faz a dopamina? Acorda-nos. E libertada de forma muito circadiana, com níveis mais elevados durante o dia e mais baixos à noite. Perfeito, porque funciona tão bem que geralmente gostamos de estar acordados durante o dia e com sono à noite. Compare os efeitos da dopamina com os da melatonina. Observe como ambas trabalham para promover a sonolência à noite: diminuição da dopamina e aumento da melatonina. Repare, também, como está a perceber a natureza química do sono
Há alguma outra função para a dopamina? Por acaso, sim… muitas. Este químico desempenha um grande papel na modulação da atividade muscular. Se duvida disto, passe algum tempo com um indivíduo com doença de Parkinson ou assista no YouTube a algum trabalho recente de Michael J. Fox, um incansável e corajoso paladino da consciencialização e da investigação sobre esta doença.
A doença de Parkinson é causada por uma perda significativa da atividade da dopamina no cérebro. Se passar algum tempo com um paciente de Parkinson, convide-o a embarcar numa vigorosa caminhada consigo. Antes de começar, certifique-se de que o doente não toma a medicação durante vários dias. Preparados? Partida! Mais rápido… vamos lá, esforce-se. Termine em beleza! Excelente esforço… Agora, recupere o fôlego. Como se saiu? O mais provável é que quando olhar para a linha de partida atrás de si, o seu adversário tenha acabado de se levantar da cadeira. Observe como se move lentamente e como os braços balançam pouco enquanto caminha.
Também poderá aperceber-se de um tremor. Ou talvez o seu rival decidisse mandar a caminhada às urtigas e, simplesmente, tenha, adormecido.
Conhecendo a dopamina, estas coisas fazem sentido. A falta de dopamina deixa-o cansado, com falta de entusiasmo, possivelmente até deprimido (alguns antidepressivos, como Wellbutrin, agem para aumentar a dopamina).
De volta à SPI. Felizmente, a síndrome das pernas inquietas é rápida de diagnosticar. Pode diagnosticá-la sozinho — experimente.
Arranje um amigo. Coloque-lhe as seguintes questões:
1. “Amigo, por vezes tens sensações desconfortáveis nas pernas?”
2. “Mexer as pernas, andar e coisas do género ajudam a melhorar essas sensações?”
3 “Sentares-te quieto torna-as piores?”
4. “Isto acontece com mais frequência, ou maior intensidade, à noite?”
Se o seu amigo acena entusiasticamente com a cabeça muitas vezes, pode ter feito uma descoberta, porque é altamente provável que os indivíduos que referem estes quatro sintomas tenham SPI.
Narcolepsia
Por causa da série de televisão Seinfeld, o desmaio induzido pelo riso é, por vezes, denominado “síndrome de Seinfeld’ Esta é uma ótima maneira de descrever um problema real. As pessoas que, ao rir, tendem a perder o controlo muscular e a cair têm, provavelmente, narcolepsia. Este problema, como já abordamos anteriormente, caracteriza-se por sonolência diurna excessiva, no qual o indivíduo perde a capacidade de estabilizar adequadamente a sua vigília. Dito de outra forma, em geral, os indivíduos normais estão bastante mais acordados desde o momento em que se levantam até ao momento em que vão para a cama… o que é um feito notável, se pensarmos na adenosina que não para de se acumular nos nossos cérebros. Nos doentes com narcolepsia, a vigília perde frequentemente a sustentação, e estes indivíduos podem deslizar rapidamente para o sono ou experimentar aspetos do sono enquanto estão acordados e conscientes.
No interior dos nossos cérebros é produzido um químico chamado orexina. Este químico ajuda-nos a sustentar a capacidade de nos mantermos acordados. Os pacientes com narcolepsia têm um défice de orexina. Sem esta substância, os indivíduos experimentam uma série de sintomas incomuns do sono, todos originados pela incapacidade de ficarem acordados. Os cinco principais sintomas da narcolepsia são os seguintes:
1. Sonolência diurna excessiva e súbitos ataques de sono: (100% dos pacientes com narcolepsia estão sempre com sono – —uma forte tendência a adormecer é fundamental para o diagnóstico).
2. Alucinações: enquanto o doente adormece ou acorda. As alucinações ao adormecer denominam-se alucinações hipnagógicas. As alucinações ao acordar são hipnopômpicas. Normalmente, estas alucinações são bastante benignas — por exemplo, o doente vê um gato a caminhar pelo chão do quarto —, mas muitas vezes, fazem com que os indivíduos tenham dificuldades em distinguir os sonhos da realidade.
3. Cataplexia: perder subitamente o tónus muscular devido ao riso ou a outras emoções fortes. Os músculos mais frequentemente afetados são os que estabilizam os joelhos ou os braços e os ombros. Isto não significa necessariamente que a pessoa caia no chão. Embora esta doença seja habitualmente descrita pelos pacientes e pelas testemunhas como um desmaio, na verdade, não é assim. O desmaio envolve, regra geral, uma queda e uma perda de consciência relacionada com a redução do fluxo de sangue ao cérebro. Na cataplexia, a consciência mantém-se durante o período de súbita atonia muscular. Por outras palavras, o normal é que o indivíduo que desmaia não se lembre dos momentos coincidentes com a ocorrência do evento, enquanto o doente cataléptico permanece consciente durante toda a provação que, em regra, dura entre alguns segundos e alguns minutos. Este aspeto pode ser muito útil na diferenciação entre cataplexia e desmaios (ou síncopes) ou convulsões que, geralmente, resultam em alterações da consciência.
4. Paralisia do sono: despertar e tornar-se consciente, mas manter a paralisia que acompanha o sono REM durante um certo período de tempo.
5. Perturbações do sono noturno: Poderíamos pensar que os pacientes com narcolepsia, dada a sua sonolência, dormiriam lindamente à noite. Infelizmente, não é assim, pois as noites são, muitas vezes, pontuadas por despertares frequentes.
Não posso deixar de realçar o quanto estas pessoas se encontram numa situação incrivelmente incapacitante, ao tentarem viver a sua vida sentindo-se eternamente sonolentas sem qualquer motivo aparente. Curiosamente, muitas vezes não sabem que sofrem de um problema incapacitante. Creio que pensam que o resto da Humanidade anda por aí a sonhar com o sono, porque elas também o fazem.
Quando um paciente com narcolepsia acorda para começar o dia, espreguiça-se e, de imediato, começa a pensar quando poderá voltar a dormir.
Distúrbio de comportamento do sono REM
Geralmente, o nosso cérebro é muito eficaz a paralisar-nos durante o sono. Isto é uma coisa boa. Quando sonho que estou a tentar afastar um grupo de macacos bugios, é ótimo que o meu cérebro tenha pensado em desligar o motor primeiro; caso contrário, a Ames, provavelmente, apanharia uma cotovelada no nariz.
No distúrbio de comportamento do sono REM, o cérebro não chega a enviar o sinal que cria paralisia no corpo. O resultado é um indivíduo que é livre para se mexer e representar fisicamente os seus sonhos durante a noite.
Este distúrbio é importante, porque pode estar relacionado com a doença de Parkinson. Na verdade, em muitos casos pode ser um sinal indicador. Não estou a dizer isto para o assustar, mas apenas para que tenha consciência de que, se o seu avó começar a representar episódios da guerra, estes sinais não devem ser ignorados.
Bruxismo
O hábito de ranger os dentes, ou bruxismo, é uma queixa comum nas clínicas do sono. É interessante que, regra geral, o bruxismo não seja observado durante o sono, mas nos períodos de transição entre o sono e a vigília. Lembra-se do estudo do sono do doente com apneia que leu de forma tão entendida? Todos aqueles momentos em que o paciente acorda para voltar a respirar são períodos privilegiados para desgastar o esmalte.
A maioria dos dentistas trata o bruxismo com goteiras — uma barreira física entre os dentes de ambos os maxilares. Ocasionalmente, também são usados medicamentos. No entanto, descobrir o motivo pelo qual um paciente desperta durante a noite e tratá-lo pode, muitas vezes, reduzir ou eliminar o bruxismo.
Parassónias; falar durante o sono (sonilóquio), caminhar durante o sono (sonambulismo), comer durante o sono, sexónia
Falar, andar, comer e ter comportamentos sexuais durante o sono representam um grupo de distúrbios chamados parassónias. Estes distúrbios são extremamente divertidos e bastante comuns. Ter um episódio ocasional de sonilóquio não será, provavelmente, nada de especial e, na verdade, não constitui um distúrbio. Gritar obscenidades todas as noites e aterrorizar o seu parceiro já é algo que talvez deva ser tratado.
Estes distúrbios, normalmente, são ocasionados por um despertar do sono profundo. Um fator preponderante no surgimento deste tipo de comportamento são os comprimidos para dormir, particularmente o Ambien. As histórias das loucas acrobacias noturnas de indivíduos que tomam Ambien estão bem documentadas. Tive doentes que, totalmente nus, interagiram com os sogros, envolveram-se em conversas online com amigos sobre tópicos horrivelmente inapropriados e acordaram a comer chocolate para culinária e batatas novas cruas.
Nos últimos tempos tem sido muito abordada a questão do sonambulismo ao volante, e porque não deveria ser assim? As pessoas andam por aí a conduzir adormecidas e, mais tarde, não se lembram do que fizeram. Um dos meus primeiros casos deste tipo foi uma estudante universitária que saiu do dormitório vestindo apenas um top de alcinhas e uns boxers minúsculos. Entrou no carro e começou a conduzir. Guiou durante algum tempo, até ficar algo confusa. Nesse momento, encostou à berma, ligou aos pais, que moravam a cinco horas de distância, e disse: “Pai, podes passar por aqui para me vir buscar?”
“Querida, vou demorar horas até chegar aí. O que se passa? São 3h00… Onde estás?”
“Oh, esquece:” E desligou. Felizmente, a polícia encontrou-a pouco depois e levou-a de volta em segurança ao compus universitário. A rapariga não se lembrava de nada, O evento quase voltou a repetir-se nessa mesma semana.
Não tenho qualquer conselho excecional a dar para este tipo de comportamentos, à exceção de ter cuidado com os comprimidos para dormir e o álcool. Para lá disto, são problemas que pode precisar de abordar com um especialista do sono. As causas subjacentes a este tipo de comportamentos podem ser difíceis de determinar e, geralmente, requerem um estudo do sono. Se acabar por precisar de um estudo do sono, não é nada de mais.
Os dez mandamentos do sono
1. Não adorarás quaisquer ajudas do sono, máquinas de ruído ou aplicações para iPhone que auxiliem o sono.
2. Não criarás uma imagem sinistra da insónia, para depois lhe atribuíres as culpas de tudo o que acontece de mal na tua vida.
3. Não invocarás o nome do Senhor em vão quando tentas dormir, mas não consegues.
4. Observarás o Sabat. Preserva o seu caráter sagrado. Deixa de dormir até tarde nestes dias.
5. Honra pai e mãe. Para de culpar os genes deles pela tua insónia.
6. Não matarás, não roubarás nem cometerás adultério. O sentimento de culpa vai realmente dar cabo do teu sono.
7. O sono é a coisa mais importante do mundo. O sono desta noite é relativamente insignificante.
8. Amanhã não estarás tão mal quanto imaginas, depois de uma noite mal dormida.
9. Usa a cama apenas para sexo e sono. Se não estás na cama a procriar ou a dormir, levanta-te.
10. Não cobiçarás o fabuloso sono do teu cônjuge. Nunca dormirás assim – baixa as tuas expectativas.