Primeiro, o assunto começou a ser falado com base em evidências empíricas. Depois, começaram a surgir alguns dados estatísticos. Entretanto, a questão da igualdade de género subiu mesmo à mesa da política e, em 2016, o Governo apresentou uma proposta de aplicação de quotas às empresas cotadas: até 1 de janeiro deste ano, as mulheres teriam de ocupar, pelo menos, 20% dos cargos de administração das empresas presentes em Bolsa, e esse número deverá subir para 33% em 2020.
O objetivo é que, por contágio, a medida se alastre ao resto do País. É que, afinal, a paridade de género é praticamente total na população ativa, e as mulheres representam atualmente 61% dos licenciados a trabalhar em Portugal. No entanto, números recolhidos pela Informa D&B no seu Retrato do Tecido Empresarial: Participação Feminina na Gestão das Empresas em Portugal mostram que há ainda um longo caminho a percorrer. Os dados relativos a 2017 revelam que apenas 26,1% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres (em 2011, eram 24,3%), número que desce abruptamente quando olhamos para o cargo de diretor-geral: 10% apenas. Aliás, “a grande maioria (73%) das funções de direção executiva é ocupada por homens”, refere o mesmo estudo, salientando que a exceção é a área de Recursos Humanos, em que a paridade já acontece. No entanto, mesmo nesta área as mulheres só ocupam 10,4% da direção-geral.
O cenário muda consideravelmente quando olhamos para as microempresas, onde quase não existem cargos de direção de primeira linha e onde o gestor e o dono do capital são, em 88% dos casos, a mesma pessoa: aqui, as mulheres já representam 30,6% dos órgãos de gestão. Porém, a sua presença vai diminuindo à medida que a dimensão do negócio aumenta, que é como quem diz, quanto maior a empresa, menor é a representação feminina. Nas pequenas empresas, as mulheres encontram-se em 24,2% dos cargos de gestão; em 19,2% nas médias empresas e o número escorrega para 14,7%, quando se fala de grandes empresas, revelam os mesmos dados da Informa D&B.
Carolina Breda é diretora de Recursos Humanos da Bresimar Automação, uma empresa familiar de engenharia de sistemas de automação industrial, que fatura mais de dez milhões de euros e em que a paridade na administração já é uma realidade. “Acreditamos que diferenças [entre géneros] existem, mas que não trazem consequências negativas para a organização, muito pelo contrário. E isso vê-se na realidade da Bresimar: temos dois administradores de géneros diferentes, e esta complementaridade de competências reforça, sem dúvida, a liderança da empresa, por ser uma liderança ambivalente”, explica à EXAME. “A própria equipa Bresimar [que é composta, em 80%, por homens] sente que esta ambivalência traz vantagens para a gestão e a liderança, pois reconhece que os ‘sonhos’ de um e o pragmatismo de outro, a visão-helicóptero de um e o rigor de outro levam ao caminho do sucesso”, remata. Para a responsável de RH, é preciso potenciar o acesso de mulheres a cargos de topo, de uma “forma justa, imparcial, e de acordo com as competências e capacidades do capital humano”. A Bresimar Automação ficou em primeiro lugar no ranking das empresas mais felizes em Portugal 2018, no âmbito do projeto Happiness Works, que tem a EXAME como parceira.
No entanto, o problema parece residir precisamente nesse acesso. É que, quando olhamos para 2010, o primeiro ano em que a Informa D&B estudou a participação feminina na gestão e na liderança das empresas, os números não eram muito diferentes do que são hoje: na altura, 30,5% das mulheres ocupavam cargos de gestão. Em 2017, escreve a mesma entidade, as mulheres ocupam “um terço dos cargos de gestão”. Já há seis anos, o retrato apontava para uma maior presença feminina nas “empresas mais jovens” e, na ocasião, as mulheres a ocupar um lugar de diretora-geral representavam 8,1% do total. Na altura, elas estavam em maioria, quando se falava de direções de qualidade ou técnicas, ou de direções de recursos humanos, mas, nas restantes sete categorias, a sua presença caía significativamente. A título de exemplo, apenas 38% dos lugares de direção de marketing ou de comunicação são ocupados por mulheres e, em casos de direção financeira ou de contabilidade, esse número desce para 36%. Há seis anos que não há mais do que 20% de mulheres a ocupar um cargo de direção de compras, e o cenário mantém-se também inalterado quando se trata de direções de operações ou de produção e de sistemas de informação.
E em qualquer dos casos em que houve um aumento, ele nunca foi superior a dois ou três pontos percentuais, entre 2011 e 2017. A exceção vai para os cargos de direção de recursos humanos, em que as mulheres representam agora 53% dos lugares, contra 45,3% em 2011. Isto acontece ao mesmo tempo que a presença feminina sobe entre a população ativa e em que já está potenciado pelo desempenho das cotadas, onde a percentagem de mulheres nos conselhos de administração praticamente duplicou em seis anos, não tendo, ainda assim,
ultrapassado os 12,2% no final de 2017.
As empresas vão cumprindo as determinações do Governo, de forma a não sofrerem penalizações, nomeando mulheres para terem os seus assentos na administração – muitas vezes em cargos não executivos –, mas elas continuam sem chegar ao topo da pirâmide. Se olharmos para o PSI20, o principal índice acionista nacional, o retrato é claro: somente uma empresa pode ostentar uma mulher como CEO – Cláudia Azevedo, na Sonae, cuja nomeação foi anunciada há poucas semanas. Há dez anos que esta situação praticamente não sofre alterações, tendo havido quatro anos (entre 2012 e 2016) em que não havia sequer representação feminina entre os líderes das empresas na montra da bolsa nacional. Apesar de claros, os números não surpreendem. Afinal, o próprio Executivo não é propriamente um bom exemplo de representatividade, pelo menos nas posições de topo: quando olhamos para o Governo de António Costa, apenas três mulheres têm assento ministerial, num total de 17 cargos: Francisca van Dunem (ministra da Justiça), Maria Manuel Leitão Marques (ministra da Presidência) e Ana Paula Vitorino (ministra do Mar e das Pescas).