Depois do filme de vampiros – Só os Amantes Sobrevivem, de 2013 –, Jim Jarmusch, um dos maiores ícones da cena indie norte-americana, volta a trabalhar o cinema de género, com este Os Mortos não Morrem, um filme de zombies. Se os colocarmos lado a lado, parece-nos clara a postura do realizador sobre estes (sub)géneros. Para Jarmusch, os vampiros são um assunto sério, pretexto para refletir sobre grandes questões filosóficas, como a vida e a morte ou o desejo de eternidade dos homens. Ao invés, os zombies são pura diversão cinéfila, pretexto ótimo para a comédia e para uma desconstrução referencial do próprio cinema. Ou seja, enquanto o filme de 2013 nos deixava inquietos e contemplativos, Os Mortos não Morrem deixa-nos fascinados e bem-dispostos, embora seja sempre possível encontrar outras camadas.
A ação passa-se numa “parvónia” nos confins dos EUA, uma povoação com menos de mil habitantes, pacata, isolada e com uma saudável lentidão. Sem motivo aparente, a Terra confunde-se no seu movimento de rotação e o dia tarda em pôr-se. Isso provoca as mais estranhas reações dos animais e, claro está, dos mortos, que despertam. A dupla de agentes locais, formada por Bill Murray e Adam Driver (ambos com interpretações impagáveis) lida com tudo isso de forma surrealistamente calma. Os seus diálogos, de um desajuste quotidiano e de uma calma titânica, são desconcertantes e, ao mesmo tempo, vão desmontando, de forma felliniana ou pirandelliana, o próprio filme – são personagens conscientes de serem personagens. A isto, acrescente-se um Tom Waits perfeito no papel de eremita; Tilda Swinton como agente funerária e mestre samurai de um pragmatismo gélido, deliberadamente artificial; e Iggy Pop, o mais convincente dos mortos-vivos. Pode dizer-se que, em Os Mortos não Morrem, Jarmusch pôs toda a carne no assador…. Embora os zombies a comam crua.
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Os Mortos não Morrem > De Jim Jarmusch, com Bill Murray, Adam Driver, Tom Waits, Chloë Sevigny, Tilda Swinton, Steve Buscemi > 105 minutos