Nasceu em 1929 e morreu 64 anos depois. Mas é como se a vida de Jacqueline Kennedy se limitasse àquele fatídico 22 de novembro de 1963, dia em que o seu marido, John Fitzgerald Kennedy, o 35º presidente dos Estados Unidos, foi assassinado, enquanto desfilava, a seu lado, na cidade texana de Dallas. Perante a violência e a repercussão desse facto, tudo o mais se torna secundário, e Pablo Larraín tem essa perceção de forma absolutamente precisa, tornando o seu biopic de Jacqueline Kennedy o ampliar de um momento, uma lição de como se pode contar a vida de uma pessoa através de um evento marcante. E desinteressante. Como se tudo o que acontece, antes e depois, partisse daquele instante. Jackie enquanto biopic é atípico, enquanto filme é genial.
Em Jackie, o realizador chileno conseguiu construir um filme americano sem cedências, nunca desvirtuando a linguagem que o tornou um ícone do cinema independente (Tony Manero, No, O Clube…). Entre analepses e prolepses, em curta escala, Larraín desventra a personagem, em busca do seu âmago, das suas angústias e ambiguidades. E, talvez por não ser do sistema de Hollywood e nem sequer americano, Larraín assume uma postura mais livre sobre a personagem que recria, não sentindo a necessidade de a defender nem alimentar a sua lenda. Avança antes na cruzada de desvendar o seu mistério. E assim, privilégio da ficção, oferece-nos o off the record – seja da grande entrevista que ela deu (e editou) após a morte de JFK, seja a confissão a um padre, seja a sua mais profunda intimidade na Casa Branca. Isto é, o realizador serve-se do palpável para construir a sua própria Jackie, íntima, pessoal, em terrenos inacessíveis, na órbita do luto. Mas, ao desvendar ficcionalmente os seus mistérios, apenas cria outros, enriquecendo-a enquanto personagem. Do filme destaca-se ainda a banda sonora, com a força de um requiem, e Natalie Portman, merecedora de um Oscar.
Jackie > de Pablo Larraín, com Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Greta Gerwig, Billy Crudup e John Hurt > 100 minutos