“Gosto muito de histórias e de saber as histórias das coisas”, diz Ângela Ferreira à VISÃO Se7e. A artista plástica usa a biografia como posto de observação-indagação: nascida em Moçambique, viveu na Cidade do Cabo durante o apartheid, e a sua produção artística, coerentíssima e espicaçadora de reflexão, debruça-se sobre a problemática colonial e as utopias revolucionárias africanas. “A minha história pessoal alimenta os meus interesses”, define, recusando qualquer “saudosismo”. Na obra, estão revoluções, minas, populações, factos, nomes e paisagens reconhecíveis. E arquitetura e som: Ângela recorda-nos sempre que estes narram episódios esquecidos, ou rasurados. “Quando procuramos conexões, elas aparecem”, afirma. A sua produção usa vários media: escultura, desenho, filme, fotografia, áudio, mas também documentos, vestígios arquivísticos.
“Underground cinema & towering radios, com curadoria de Ana Balona de Oliveira, tenta articular dois grupos de trabalho explorados nos últimos anos”, explica. A artista contempla tanto a produção dos construtivistas russos (incluindo desenhos de objetos de propaganda política, como os estrados para discursos) como sobre as torres para difundir a rádio em África, “instrumento político e de lazer”. “Esta noção de algo nas alturas tem muito a ver com conceitos subterrâneos, ideais e utopias revolucionárias. Algumas utopias falharam, como o projeto russo. O meu trabalho faz a revisão de acontecimentos, vendo até que ponto ainda há autoridade nestes sonhos e lutas inglórias. Olhamos para os resultados em África, e perguntamo-nos: ‘Como foi possível?’”
Para aqui, Ângela construiu uma torre que transmite poesia (e lembra as contradições sobre a sua cidade natal), os Cape Sonnets, de Peter Blum. Uma estratégia já utilizada na série For Mozambique (2008), projeto de mixed media, o ecrã como dispositivo escultórico, em que Ferreira colocou filmagens de Bob Dylan a cantar For Mozambique, ao lado das imagens de um coro de trabalhadores das minas, filmado por Jean Rusch – que, com Jean-Luc Godard, tentou criar uma produção de cinema e TV independente no país. “Comecei a interessar-me por underground cinema, o que me levou a explorar literalmente esse conceito: cavernas, buracos… Isso levou-me à história das minas.” Referências trabalhadas sob o signo da alteridade e da revolução, a não perder.
Underground cinemas & towering radios > Galeria Avenida da Índia > Av. da Índia, 170, Lisboa > T. 21 817 05 34 > 22 jul-25 set, ter-sex 10h-13h, 14h-18h, sáb-dom 14h-18h