É uma tradição repetida há mais de cem anos, desde que o Mercado de Loulé abriu portas, a 27 de junho de 1908. Todas as semanas, ao sábado de manhã, as ruas à volta ganham ainda mais movimento, com outro mercado, este a céu aberto, conhecido como “o dos produtores”. Tal como antigamente, aqui é possível encontrar todo o tipo de iguarias serranas, como o mel, o pão, os queijos de cabra, os enchidos ou a aguardente de medronho, bem como uma grande variedade de fruta e de legumes acabados de apanhar. Este “encontro” com a gente do Interior é sempre uma surpresa para muitos visitantes que, vindos do Litoral, aproveitam o fim de semana para descansar da praia e conhecer a cidade, em especial o mercado, célebre pela fachada em estilo neoárabe mas também pelo ambiente, com as vendas de fruta e de peixe a coabitarem, hoje, com diversos artesãos locais e outras bancas de sabores, diga–se, mais gourmet.
Um pouco abaixo, no histórico Café Calcinha, a clientela já não se divide de acordo com a classe social, como noutros tempos, mas no seu interior pouco ou nada mudou. Inaugurado em 1929, pretendia ser uma réplica perfeita de um café brasileiro, ostentando ainda diversos pormenores em madeira genuína do Brasil, que reproduzia ali, em pleno barrocal algarvio, o ambiente cosmopolita da Belle Époque. Exemplar do estilo Art Déco, está classificado como Imóvel de Interesse Municipal e foi, durante décadas, um lugar de tertúlia que teve no poeta António Aleixo, imortalizado numa estátua à entrada, um dos seus mais ilustres frequentadores.
Apesar de, neste concelho, ficarem algumas das mais belas (e concorridas) praias do Algarve, a cidade de Loulé ainda é pouco mais do que uma desconhecida para grande parte de quem aqui chega. Impõem-se, portanto, uma visita ao centro histórico, exemplarmente recuperado, bem como uma ida ao castelo e à antiga Alcaidaria. Da primitiva fortaleza árabe já pouco resta, mas, aqui e ali, são ainda muitos os vestígios que se mantêm dos antigos habitantes da cidade, conquistada aos mouros por Afonso III, em 1249. Dentro das muralhas fica a Alcaidaria, que hoje alberga o Museu de Arqueologia, o Polo Museológico da Cozinha Tradicional e um centro de documentação. O castelo funciona também como ponto de partida para alguns percursos pedonais, que ligam diversos pontos de interesse, entre os quais os antigos banhos islâmicos ou o Jardim dos Amuados.
Nas ruas do centro histórico há vários restaurantes e bares, apostados em reinventar a tradição. Um dos mais recentes é o Med, restaurante mesmo em frente ao castelo, aberto no verão de 2018, por Céline Luís, 40 anos, que aqui recria os “sabores algarvios com um toque de modernidade, inspirado pela dieta mediterrânica” – como, aliás, se depreende pelo nome, inspirado no festival de música com igual denominação, que por estas ruas se realiza há mais de uma década, sempre no final de junho. “Abrimos no mesmo fim de semana do festival MED e pensámos que era uma boa homenagem, pois o espírito de união e de fusão, neste caso à mesa, é idêntico”, conta Céline, uma “filha de louletanos nascida em França”, que deixou em pousio a carreira de psicóloga para cumprir “um sonho antigo”. Não que a restauração seja uma novidade para ela, afinal também cresceu, entre tachos e panelas, no antigo restaurante Avenida, que os pais abriram na cidade ao regressarem de França. Memórias que Céline usou para decorar o espaço, a fazer lembrar as antigas mercearias e tabernas. Na cozinha, aberta para a sala de refeições, está o chefe Bruno Rodrigues, responsável por pratos como a cataplana de peixe, as lulas cheias (neste caso com queijo feta) ou os pastéis de polvo e de poejo, “uma junção entre mar e serra”, como explica Céline, que tão bem resume o espírito desta cidade.
Pelos trilhos da serra do Caldeirão
Desde Loulé, a sede de concelho, até Barranco do Velho são cerca de 20 quilómetros, mas parecem muitos mais, devido à sucessão de curvas em que a estrada entretanto se transformou, com a placidez do barrocal a ser gradualmente substituída pelos cerros e vales da serra. A pequena aldeia continua a ser uma das principais portas de entrada para a serra do Caldeirão, um imenso território que se estende desde a ribeira de Odelouca, perto de Silves, até quase a Espanha, servindo aqui de fronteira natural entre o Litoral algarvio e as peneplanícies alentejanas. Em tempos, Barranco do Velho era ponto de paragem obrigatório, para quem se deslocava para o Algarve pela velhinha Estrada Nacional 2.
Nos últimos anos, porém, são de outro tipo os visitantes que por aqui passam. Muitos percorrem a pé a Via Algarviana, a grande rota pedestre que cruza o Interior da região, desde Alcoutim até Sagres, ao longo de 300 quilómetros. Inaugurada em 2007 pela associação ambientalista Almargem, tem sido um dos grandes motores da economia local, atraindo cada vez mais gente às isoladas aldeias serranas. A Tia Bia, agora também unidade de alojamento local, continua a ser um ponto de paragem obrigatória. “A história desta casa confunde-se com a da própria Estrada Nacional 2”, diz o atual proprietário, Nuno Pires, que há cerca de três anos desistiu de uma carreira como chefe de cozinha, num restaurante da Quinta do Lago, para regressar à terra natal. Veio com a mulher, Cátia Graça, natural de Loulé, a quem, de início, custou habituar-se ao sossego da serra, mas que agora se sente “mais em casa”. Pelo meio, conseguiram recuperar a antiga fama do restaurante, sendo cada vez mais os que ali se deslocam para provar as migas de bacalhau, as bochechas de porco preto no forno ou o estufado de javali, aproveitando também para comprar o medronho de produção própria, já tão famoso quanto os cozinhados de Nuno.
Um pouco para o interior da serra, o Ameixial também ganhou nova vida desde 2013, quando ali se começou a realizar um festival de caminhadas, sempre no último fim de semana de abril, que voltou a posicionar a aldeia no mapa. Dos primeiros do género em Portugal, o Walking Festival do Ameixial chegou mesmo a ser eleito dos melhores na Europa pela revista holandesa de caminhadas Opaad, considerada uma das bíblias desta atividade. Este ano, teve mais de mil participantes, o que, durante três dias, transformou esta freguesia na capital das caminhadas da serra do Caldeirão. “Os serrenhos não são algarvios nem alentejanos; são um povo com uma identidade própria e é isso que pretendemos dar a conhecer, sempre em parceria com as pessoas de cá”, sustenta João Ministro, da QRER – Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios de Baixa Densidade, a entidade que organiza o festival.
A cerca de 40 quilómetros de Loulé, o Ameixial, antes uma das mais populosas freguesias da serra, é o exemplo perfeito de como o turismo de Natureza pode ser uma solução para contrariar o isolamento e o abandono. À volta da aldeia, e como consequência do festival, foram criados diversos percursos pedestres, de diferentes distâncias e níveis de dificuldade, que ao longo do ano continuam a atrair visitantes. E esta é uma região com muito para ver e aprender. Apenas é preciso um pouco de tempo, como só uma boa caminhada proporciona, para se poder apreciar, por exemplo, o palheiro que Manuel Francisco e Otília têm no quintal, no lugar de Corte de Ouro, feito em pedra, com um teto cónico em centeio, a fazer lembrar casas pré-históricas. Em todo o Algarve, estas construções só existem aqui, nesta serra, e este palheiro é um dos últimos ainda em uso. “Serve para guardar a comida dos animais e dar abrigo aos borregos bebés, quando está frio”, explica Otília, 77 anos, enquanto o marido, de 80, ensina um grupo de voluntários a molhar e a entrelaçar os molhos de centeio que vão reforçar o telhado, já um pouco degradado, numa ação organizada no âmbito do festival. “Esta moda das caminhadas ajuda a não estarmos sós, aqui no meio da serra”, nota Otília. E ano após ano, garante, “vem cada vez mais gente”.
Dos percursos pedestres mais bonitos na freguesia do Ameixial é o que tem início no Azinhal dos Mouros, uma pequena aldeia rodeada por sebes de piteira (figos-da-índia), por onde, no século XIII, terá entrado D. Paio Peres Correia, vindo do Alentejo, para tomar a região aos mouros – tal como é contado na Crónica da Reconquista do Algarve. O trilho acompanha o curso do Vascão, que, um pouco mais abaixo, marca a fronteira com o Alentejo. Trata-se do último rio selvagem do Algarve, o único que ainda corre livremente, sem barragens, ao longo de 70 quilómetros até desaguar no Guadiana, perto de Alcoutim. Entre os objetivos de João Ministro está o estabelecimento, nas margens fluviais, de mais uma grande rota pedestre, com ligação à Via Algarviana e à Grande Rota do Guadiana (que une Vila Real de Santo António a Mértola), criando, assim, “mais um polo de centralidade, ligado ao turismo de Natureza”, numa das mais isoladas zonas do Interior algarvio.
Entretanto, é tempo de voltar ao Ameixial, para conhecer outro património “serrenho”, a D. Maria Antónia. Com 66 anos, é proprietária e cozinheira (função partilhada com algumas amigas e familiares) da Casa de Pasto Central da Serra, onde visitantes e locais se costumam aconchegar à volta de pitéus já raros de encontrar, como o cozido de grão ou a galinha guisada, servidos em enormes terrinas, para partilhar com todos. Tudo isto arrematado, claro está, com uma aguardente de medronho, também ela destilada na aldeia. Depois de distribuídos os copinhos, percebe-se que sobra um. “Esse é o meu”, diz uma das anfitriãs, que sorve o licor de um só trago, no melhor do estilo serrenho. “Saúde!”
MORADAS
DORMIR
Casa de Campo cantinho da Serra > Cortelha, Loulé > T. 289 846 184 > a partir de €40
Casa Brava
Julie Pereira e Marco Pinto, nascidos em França e filhos de pais portugueses, trocaram Paris por Loulé, depois de se terem encantado pela cidade algarvia durante umas férias. O casal recuperou uma quinta abandonada na serra, que hoje funciona também como eco bed & breakfast. Casa Brava dá ainda nome à marca de sabonetes naturais, elaborados com ingredientes biológicos, com loja em Loulé. Sítio da Pedragosa, Loulé > T. 96 204 3797 > a partir de €89 > Loja Casa Brava > R. da Barbacã, 18 > seg, qua, sex-sáb 10h-13h
Loulé Coreto Guesthouse > Av. José da Costa Mealha, 68 r/c, Loulé > T. 96 666 0943 > a partir de €45
COMER
Med > R. D. Paio Peres Correia, 14, Loulé > T. 96 421 0708 > seg 12h30-14h30, ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-21h30
Café Calcinha > Pç. da República, 67 > T. 96 406 6842 > seg-dom 8h-23h
Restaurante Monte da Eira > EN 396, Clareanes, Loulé > T. 289 438 129 > ter-sáb 12h30-14h15, 19h-22h15, dom 12h30-15h
A Tia Bia > Barranco do Velho, Salir, Loulé > T. 289 846 425 > seg 12h-15h, ter-dom 12h-15h, 19h-22h
Casa de Pasto Central da Serra > EN 2, Ameixial, Loulé > T. 289 847 217 > seg-dom 9h-22h
VER
Castelo e Alcaidaria de Loulé > R. D. Paio Peres Correia, 17 > T. 289 400 885 > ter-sáb 10h-13h30, 14h-18h > €1,62
Mercado de Loulé > Pç. da República > T. 289 400 600 > seg-sáb, 6h-15h
Casa da Empreita > R. Vice-Almirante Cândido dos Reis, 20, Loulé > T. 289 400 618 > seg-sex 10h-17h, sáb 9h30–14h
Oficina dos Caldeireiros > R. da Barbacã, 26 e 28, Loulé > T. 289 462 322 > seg-sex 9h30-13h, 14h30-18h, sáb 9h30-13h
Oficina do Barro > R. Martim Moniz, 43 e 45, Loulé > T. 289 411 162 > seg-sex 10h-17h, sáb 10h-13h