Um dos efeitos do capitalismo moderno é ter fecundado a ideia de que tudo é transacionável. O protagonista de Vida à Venda testa esta premissa, transformando-a num teatro do absurdo em que ecoam Kafka e Raymond Chandler: Hanio Yamada, publicitário de 27 anos, decide matar-se após ler, indiferente, o jornal de 29 de novembro. Mas o gatilho para esse “capricho” funesto e definitivo é a visão de uma repugnante barata em cima das folhas caídas, que lhe suscita esta ideia tumular: “O mundo reduz-se a isto e a nada mais do que isto.” E Hanio empreende os ritos fúnebres: compra sedativos, assiste a uma sessão tripla de cinema, visita um bar de engate onde a sua decisão suicidária desperta apenas o sorriso de uma rapariga tola, apanha o “último comboio da sua vida”. Despertará dorido e, como “não é possível ter dores de cabeça no céu”, percebe que a tentativa de suicídio falhou.
Renasce, então, anunciando a venda da sua existência e esperando por clientes: um velho traído que deseja vingança sobre a jovem que o trocou por outro, uma idosa tentada pelo “mo-nee” norte-americano, um rapaz com uma mãe vampira… Em tudo reverbera a entrelinha existencial, o trocadilho negro. Deitado na cama com a volúvel Ruriko, à espera de ser assassinado pelo novo amante dela, Hanio prolonga a situação “com a perfeita consciência de que o seu destino era morrer”. E Hanio sobrevive, barata metafórica. Ao contrário de Yukio Mishima (1925-1970), que, aqui, aborda tudo o que o fez suicidar-se: a queda do Japão dos samurais, o fascínio pelo Ocidente, a sublimação da morte.