Liberdade é a canção política mais célebre de Sérgio Godinho e aquela que mais convida o público a juntar-se- -lhe nos concertos, sobretudo entoando o refrão a plenos pulmões: “Só há liberdade a sério quando houver: a paz, o pão, habitação, saúde, educação…” Palavras que ecoam facilmente no novo livro do músico e do, cada vez mais, escritor (não só de canções). Mas não estamos, aqui, no universo das causas políticas e sociais, antes numa narrativa bem fechada na privacidade das suas personagens.
No centro dela, está Vicente, jovem universitário, e Diana Albuquerque, figura pública por ser pivô de um telejornal em hora de muita audiência. Presa e predador. Vicente passa uma boa parte desta história enclausurado num sótão: “Nunca tinha tido um quarto tão grande, com casa de banho e kitchenette privativas. Que luxo.” Não precisamos de virar muitas páginas de Estocolmo para chegarmos à parte em que Diana – “zac zac” – fecha Vicente à chave e faz dele seu prisioneiro. Paz? Vicente tem-na, muita mesmo. Pão? Sim, até há uma cena em que ele diz à sua carcereira e amante que prefere que não venha já fatiado. Habitação? Ironicamente é mesmo o que menos lhe falta. Saúde? Diana encarrega-se, até, de oferecer-lhe uma máquina de ginásio para ele se exercitar. Educação?
Não lhe faltam bons livros, bons filmes e tempo livre… Mas não há margem para dúvidas: ali não há “liberdade a sério”. Vicente é um prisioneiro. E amor? Há, pelo menos, muito bom sexo e declarações nesse sentido. São esses – “liberdade” e “amor” – os temas centrais desta novela de Sérgio Godinho, que se lê de um fôlego (a fazer lembrar uma velha série de TV, do tempo em que só havia dois canais em Portugal: Contos do Imprevisto, alguém se lembra?). O Estocolmo do título, está bom de se ver, prende-se à síndrome com esse nome que explica o irracional movimento que faz o raptado sentir-se atraído pelo raptor.
Estocolmo (Quetzal, 160 págs., €15,50) sucede a Coração Mais Que Perfeito, publicado, também pela Quetzal, em 2017. Os dois títulos mostram o entusiasmo recente de Sérgio Godinho por ficções que duram mais do que o tempo de uma canção…