Há momentos em que nos sentimos uns privilegiados e este foi, seguramente, um deles. Quando falamos da apresentação da nova carta de um restaurante de alta cozinha, sabemos que temos à espera um longo desfile de pratos surpreendentes. Quando são propostos por Vitor Matos, um dos mais reputados chefes de cozinha portugueses, o rigor e o perfecionismo na execução está assegurado. O resultado é um mosaico de sabores riquíssimo, muito bem definido, mesmo quando nos perdemos na listagem de ingredientes de um simples prato. “Esta foi a carta mais calma que fiz até hoje”, confessa, afastando o peso das expectativas à volta de uma possível estrela Michelin, que conquistou aos comandos da cozinha do Largo do Paço, em Amarante. “Aqui senti que poderia voltar a ser feliz e ultrapassar a pressão da alta cozinha.” E a serenidade do discurso (e da postura, acrescente-se) tem uma tradução literal neste “Renascer by Vitor Matos”, o menu primavera-verão do Antiqvvm.
O restaurante, inaugurado no início de outubro de 2015, ocupou o lugar do antigo Solar do Vinho do Porto, no piso inferior de uma casa do séc. XIX, onde também funciona o Museu Romântico. Isolado pelos jardins e bosques da Quinta da Macieirinha, goza ainda de uma das vistas mais invejáveis do rio Douro. Falta apenas uma esplanada à medida daquele cenário inspirador, prometida para quando finalmente se instalarem os dias mais quentes. De resto, o espaço tem requinte e bom gosto em doses equilibradas, e as cerca de quatro horas à volta dos “10 momentos de descoberta gustativa” passaram leves (não tão levemente se pensarmos nas calorias).
O jantar, exclusivo para jornalistas, foi uma combinação dos dois menus de degustação (cada um com oito momentos) existentes no Antiqvvm: “Tradição Renovada”, focado numa exploração dos sabores e dos produtos tradicionais portugueses; e “Ensaios Sensoriais”, propostas mais lúdicas, a brincar com os sentidos. Uma abordagem cruzada que não será permitida no dia-a-dia do restaurante. Há, contudo, sugestões partilhadas por ambos os menus, como os snacks servidos à entrada: a sanduíche de tártaro de vitela com mostarda antiga; o maki de presunto de vaca alentejana com rúcula, avelãs e queijo Ilha Velho; os merengues de beterraba e foie gras; o polvo em pão panko com maionese de caril de Madras; e o ravióli de vieiras e champagne, molho de ostras, gengibre e couve-flor. Um início a cumprir a promessa das tais “descobertas degustativas”.
Alguns dos pratos e dos vinhos chegam à mesa e Vitor Matos faz questão de contar pessoalmente a sua história. É o caso do Inspirado nas minhas Viagens (um dos mais elogiados), uma delicada e fresquíssima combinação de salmão marinado em ceviche e lâminas com guacamole, sweet chili e coentros, creme de coco e coentros laminados, a lembrar destinos de férias. Do Tributo a Michel Van Der Kroft, um dos pratos concebidos durante as cumplicidades gastronómicas que têm sido habituais no Antiqvvm, neste caso em conjunto com este chefe holandês (restaurante ‘t Nonnetje**, em Harderwijk), com raviólis mergulhados num generoso queijo da Serra. Ou A Horta da Minha Infância, a sobremesa executada a pedido do chefe Dieter Koschina para o evento Tribute to Claudia no Vila Joya, com um código QR (comestível) para se ler a explicação sobre a sua inspiração. “Cresci em Trás-os-Montes, numa família humilde, onde só havia sobremesas no Natal e na Páscoa, por isso este desafio foi muito difícil”, recorda. Decidiu então recorrer às memórias dos tempos passados a cuidar da horta, para criar agora tomate-avelã, beterraba-pistachio, abóbora-requeijão e mais uns tantos legumes doces. Uma maravilhosa mistura de cores e sabores, a revelar um Vitor de Matos muito sentimental. A reforçar a ideia que dentro do peito de um chefe de cozinha bate um grande coração está outra sobremesa (e este chefe adora fazê-las), I Love Cheese Cake, com uma apresentação bem divertida e apelativa. A primavera pode tardar, mas o amor está certamente no ar do Antiqvvm.