Era uma tarde de outono igual a tantas outras, as folhas caíam das árvores, a temperatura diminuía e todos sentiam saudades do verão. Bem, nem tudo era igual aos outros anos… Os meus pais tinham-se divorciado há uns cinco meses e a minha mãe decidiu levar-me para Berlim, com o objetivo de passar mais tempo com a minha avó e arranjar um emprego onde lhe pagassem mais do que o salário mínimo.
E lá estava eu, a sair da escola, depois da minha primeira semana de aulas. Quando podia, a minha mãe ia buscar-me à escola de carro, mas naquele dia estava a fazer um turno extra, por isso tive de ir a pé.
Ainda não me tinha habituado a uma cidade tão plana e sempre em construção, mas o que me deixava mais desconfortável era ser tudo tão cinzento.
– Vais para casa? – gritou o meu novo vizinho.
– Sim – respondi, sem grande entusiasmo.
– Boa! Vamos juntos, então.
David era o meu vizinho e um rapaz um pouco irritante (para não dizer muito). Ainda não tinha simpatizado muito com ele, mas gostei de ter companhia durante o caminho.
– Olha! – exclamei – O que havia ali?
– Ali? onde? – retorquiu David – Não vejo nada…
Mas eu via, ali no meio da rua, um prédio que se destacava de todos os outros, por ser mais alto, verde alface e estar em ruínas. De repente ocorreu-me uma ideia um pouco absurda: “E se aquele prédio é invisível?”. Mas se assim fosse, como é que eu o conseguia ver?
O David não parava de falar sobre os cromos de futebol e da visita de estudo ao Museu Pérgamo, no entanto não lhe prestei grande atenção, porque estava absorta nos meus pensamentos.
Quando cheguei a casa a minha mãe ainda não tinha acabado o seu turno, mas não havia problema, pois eu sabia exatamente o que queria fazer. Peguei no nosso velho portátil Toshiba e entrei no Google Earth. Se aquele prédio existisse mesmo, com certeza estaria lá. Percorri as ruas de Berlim com o rato, até que cheguei à rua em questão, e para confirmar a minha teoria, não havia nenhum prédio.
Eu já esperava não encontrar o edifício, porém senti-me abatida. As imagens do Google Earth ali, à minha frente, deram- me a ideia de ir caminhar à beira rio.
O rio de Berlim tem o nome de Spree. A palavra tem raíz no eslavo zpriav que poderia ser traduzido como rio dos Sorábios – povo eslavo que ainda hoje vive na parte inicial do rio. Mas vamos deixar a aula de história para outro dia…
Quando já estava cansada de caminhar, sentei-me num banco de madeira, a observar as diferentes cores das folhas. Só depois reparei que o banco estava vandalizado com graffitis, mas o que me surpreendeu foi um desenho do prédio misterioso. Era aquele sem dúvida! Afinal não era a única pessoa a vê-lo! Olhei com mais atenção e reparei que também tinham desenhado um avião. Naquele momento, não fiquei convencida que os dois desenhos estivessem interligados e fui-me embora.
Na segunda-feira, durante o primeiro intervalo, a Margarida, uma rapariga da minha turma, veio ter comigo e começou a fazer-me cócegas. Fiquei desconfiada e tentei afastar-me, mas ela continuava. Tentei afastar-me uma segunda vez e consegui, no entanto fiquei assustada.
No final das aulas contei o sucedido ao David. Ele disse-me para não dar demasiada importância, porque provavelmente era só uma piada de mau gosto com “a miúda nova”. Enquanto falávamos encontrei um papel no bolso do meu casaco que dizia assim: “Vem ter connosco ao prédio abandonado.” E tinha aquele avião desenhado! Percebi que a Margarida mo tinha posto no bolso quando me estava a fazer cócegas. Não hesitei e fui a correr para lá (infelizmente o David veio atrás de mim).
Quando cheguei, deparei-me com um grupo de rapazes e raparigas da minha escola. Tinham todos um ar estranho. Uns tinham os olhos vermelhos e parecia que não tinham dormido, outros vestiam-se só com roupas pretas. Já me tinham ensinado a não avaliar as pessoas pelas aparências, por isso tentei relativizar.
– Então porque me chamaram?- perguntei curiosa
Eles lá me explicaram que só as pessoas que tinham visto alguém ou algo morrer é que podiam ver o prédio. Fiquei completamente alarmada, pois nunca tinha visto ninguém morrer e tudo aquilo era muito estranho.
Depois de conversarmos mais um pouco, percebi que eu via o prédio, porque também tinha visto a relação dos meus pais “morrer”.
– Não fiques triste, nós criámos este grupo para conseguirmos esquecer os nossos problemas. Por isso é que o nosso símbolo é o avião: quando nos juntamos, divertimo-nos, vingamo-nos da sociedade e esquecemos o que nos atormenta. É como se tudo o que nos preocupa entrasse naquele avião e voasse para muito longe! – explicou calmamente o chefe do grupo – E agora, tens a oportunidade de entrar neste grupo e viver uma vida mais feliz.
– Exatamente – interveio a Margarida – Mas antes de te tornares num membro oficial, vais ter que fazer uma escolha: nós ou ele.
A Margarida referia-se ao David. Foi nesse momento que eu percebi que não precisava de esquecer os meus problemas, mas sim de um amigo que me ajudasse a enfrentá-los.
Sofia Maia Mendes Silva Rodrigues, 13 anos