A queda do Muro de Berlim, símbolo máximo da união entre as duas Alemanhas, fez com que milhares de pessoas deixassem a parte oriental, procurando melhor qualidade de vida na parte ocidental. Com esta mudança radical, milhares de casas foram abandonadas, fábricas foram fechadas e os campos de cultivo deixados para trás. Como resposta a este abandono, começaram a aparecer os chamados squats na parte leste, que mais não consistem do que na ocupação de um edifício que, não pertencendo, não tendo sido arrendado ou cedido a quem o ocupa, passa a estar ocupado por várias pessoas que fazem dele o seu espaço de habitação. Apesar de ser um acto ilegal na maioria dos países, estudos demonstram que existe 1 habitante por cada 7 na face do planeta que vive ou desenvolve o seu trabalho num squat. Estas casas ocupadas, que já antes existiam embora na parte ocidental alemã, surgem como uma base de contra-política capitalista, subcultura e, na maior parte das vezes além de espaço habitacional, servem a comunidade social e culturalmente. A nível europeu existem centenas de squats nos mais variados países, mas talvez o mais conhecido, seja Christiania na Dinamarca, uma comunidade independente de quase 900 pessoas que ocupou em 1971 uma antiga zona militar abandonada na cidade de Copenhaga. As cidades mais activas da Europa nos anos 80, foram Amesterdão, Londres, Berlim e Copenhaga.
A nossa estadia em Berlim fez-se também de antigos squats, já que hoje em dia passaram a ser arrendados com valores mínimos, embora todo o teor ideológico ainda lá esteja. As pessoas que nos receberam, levaram-nos a conhecer alguns deles e, como vegetarianos que somos, a deliciarmo-nos com a excelente comida com que estes espaços servem a comunidade. Com ideias de esquerda, lutando contra o sexismo, o racismo, o especismo, entre outros, pretendem também proporcionar a quem ali vai, um espaço onde se pode debater os vários problemas que existem na sociedade. A luta contra a extrema-direita é um dos assuntos mais activos nas discussões. De aspecto mais ou menos decadente – pois não é essa a preocupação primeira dum projecto destes – estes espaços têm uma actividade constante, ao nível de cinema (num dos que estivemos, estava a ser projectado o filme O Ódio, de Mathieu Kassovitz, na parede do prédio em frente), de workshops, de ajuda às minorias étnicas, da luta pela defesa animal, entre outros, que faz com que nunca estejam parados e vazios. Numa destas experiências, levaram-nos a almoçar um buffet vegan (veganismo é um movimento com preocupações éticas, que visa basicamente a defesa animal e contrariar tudo aquilo que possa de alguma maneira contribuir para o abuso e exploração dos mesmos, através do boicote a actividades e produtos considerados especistas) em que estavam presentes mais de 50 pessoas. Depois de colocado sobre um grande balcão, era dada a indicação de que podíamos começar a comer e, com o respeito que um acto destes exige, cada pessoa pegava à sua vez num prato e nos talheres e servia-se do que quisesse, quantas vezes quisesse. Depois da parte salgada, vieram as sobremesas. Estávamos completamente pasmados e saciados! O mais incrível disto tudo, é que toda a gente sabe que no fim, quase à saída, existe um frasco que diz: “buffet vegan – entre 2€ e 5€” – e as pessoas dão o que quiserem, sem que ninguém controle ninguém! Isto, para nós, é viver com respeito pelo outro!
Como havíamos dito logo a princípio, a cidade de Berlim é uma cidade aparte da Alemanha. Julgamos que uma capital nunca “pertence” a um país, face a quantidade da mistura cultural existente. Berlim é, aos nossos olhos, uma cidade com muita história, mas nova, no sentido em que só há 20 anos é que começou uma nova fase da sua vida. Este facto faz com que seja uma cidade pronta a receber, a ser experimentada, discutida, questionada! Faz com que a cidade esteja diariamente em mutação, que se movimente, que exija, que inove, que aposte! Berlim é assim uma cidade aberta, com um espírito dinâmico e que se entranha à medida que nela vamos circulando. Sem um centro específico, faz com que se criem vários espaços dentro dela mesmo, que brotem projectos novos, que arrisquem ideias novas, que apresentem soluções, que lutem por ideais, que se façam mostrar! E tudo isto é Berlim, uma cidade que de Alemanha, tem muito pouco!