A paisagem religiosa americana começou a mudar fortemente desde a última década do século passado, quando uma percentagem crescente de indivíduos deixaram de se identificar como cristãos e cresceu o número de ateus, agnósticos e “sem religião”.
O Pew Research Center investigou esta tendência cruzando-a com outras variáveis como migrações, natalidade e mortalidade, através de cenários hipotéticos, de modo a poder perspectivar o cenário religioso do país nos próximos 50 anos, levando em consideração os padrões de troca de posicionamento verificados até 2019. Assim, estima-se que “31% das pessoas educadas na fé cristã se tornaram não afiliadas entre os 15 e os 29 anos de idade, sendo que apenas cerca de 7% desses indivíduos se tornam-se não afiliadas após os 30 anos”.
Partindo do princípio de que em 2020 “cerca de 64% dos americanos, incluindo crianças, eram cristãos”, os não filiados religiosamente seriam 30%, e os adeptos de todas as outras religiões – incluindo judeus, muçulmanos, hindus e budistas – totalizariam cerca de 6%, aponta-se para um cenário em que os cristãos se reduzem para pouco mais de um terço (35%), e os sem-religião se aproximarão da maioria em 2070. Por outro lado, os crentes de outras religiões duplicariam em resultado sobretudo da imigração.
É claro que a inversão do declínio do cristianismo nos EUA não está fora do horizonte, sobretudo face a eventos imprevisíveis como “conflitos bélicos, depressões económicas, crises climáticas, alterações nos padrões de imigração ou inovações religiosas”, que possam vir a suscitar mudanças no campo religioso. Todavia, o declínio do cristianismo e a ascensão dos “não afiliados” podem prenunciar consequências de longo alcance para a política, a vida familiar e a sociedade civil.
Apesar de alguns líderes religiosos atribuírem aos governos estaduais e federal o declínio do cristianismo na América, com base numa postura mais liberal em matéria de usos e costumes, a verdade é que os estudos apontam para pelo menos duas grandes razões que ajudam a justificar o fenómeno. A primeira é o envolvimento político das lideranças das igrejas, em especial durante a administração Trump.
Em muitos casos tratou-se de intervenções sectárias, injustas e mesmo escandalosas. Franklim Graham, por exemplo, teve o descaramento de usar de dois pesos e duas medidas conforme as suas conveniências políticas. O filho de Billy Graham criticou duramente o presidente Bill Clinton devido ao seu caso com a estagiária Monica Lewinsky, mas passou uma esponja sobre a imoralidade sexual de Donald Trump, de quem é fogoso apoiante, dizendo que se tratava da vida particular dum cidadão… Já o tristemente célebre pastor Kenneth Copeland escarnecia de Biden à gargalhada, em pleno serviço religioso na sua igreja, já num tempo pós-eleitoral, sugerindo que Trump é que tinha ganho a eleição a Biden.
Ora, os jovens não são parvos e não gostam que os tomem por tal. E a segunda razão prende-se com a imposição por parte das lideranças religiosas duma ética muito discutível e desconectada do mundo em que vivemos, mas que apenas resulta em hipocrisia religiosa. Apenas um exemplo. Substituiu-se o cinto de castidade medieval pelo anel de castidade USA. Os adolescentes foram pressionados a utilizar esse anel como sinal visível do compromisso de rejeitar qualquer envolvimento sexual antes do casamento. Resultado? Continuam a existir contactos sexuais entre eles, em muitos casos, mas com cuidado a fim de evitar gravidezes.
Talvez esta realidade explique em parte por que a média de idade dos evangélicos americanos ronda agora os 56 anos, isto é, um segmento tendencialmente envelhecido, marcado também pela baixa natalidade observada no hemisfério norte.
Estas tendências parecem sugerir que a experiência europeia dos últimos cinquenta anos começa a chegar aos EUA: “Na Holanda, a desfiliação acelerou na década de 1970, e na Grã-Bretanha os “sem religião” ultrapassaram os cristãos em 2009, tornando-se o maior grupo, de acordo com o British Social Attitudes Survey”.
Apesar disso os “sem religião” não são todos descrentes ou não praticantes. Muitos participam em práticas religiosas e a maioria acredita num poder superior ou força espiritual, mas a igreja perdeu-os.
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