Tais audiências resultaram de uma série de processos movidos em tribunal contra mulheres acusadas da prática de bruxaria em Salém (hoje, Danvers), na costa atlântica do Massachusetts, entre 1692 e 1693. O ambiente social da época era tenso, marcado por forte extremismo religioso, muita superstição e medos irracionais.
Esses julgamentos partiram de acusações – muitas vezes de adolescentes – a mais de duzentos indivíduos e muitos deles foram sujeitos a interrogatórios que incluíram actos de tortura, do que resultaram trinta condenações e vinte execuções por enforcamento e lapidação, tendo outros condenados morrido na prisão. Tais acontecimentos nem sequer fizeram justiça ao nome da terra, uma forma helenizada para “paz”, do hebraico (שלום, shalom).
Acontece que a consciência de muitos dos envolvidos falou mais alto e levou-os posteriormente a reconhecer falsos testemunhos prestados em tribunal e casos de manipulação de provas, que terão conduzido os juízes a formularem condenações com base na associação errada a actos de bruxaria.
Apenas cerca de dez anos depois do sucedido os julgamentos foram considerados ilegais, e outro tanto tempo mais tarde houve então lugar à reabilitação dos condenados pelo sistema judicial, tendo os herdeiros recebido indemnizações financeiras, mas foi necessário passarem mais dois séculos e meio para que o estado de Massachusetts formalizasse um pedido de desculpas público pela tremenda injustiça cometida contra inocentes e pelo erro judicial grosseiro que daí resultou.
Porém, restava ainda um nome para reabilitar. Elizabeth Johnson era uma jovem norte-americana com 22 anos quando foi acusada. Há quem pense que o facto de permanecer solteira e não ter tido filhos a terá tornado um alvo fácil nos julgamentos por bruxaria. Crê-se que uma eventual perturbação mental a terá levado a ceder à pressão e assumir-se como culpada, só não tendo sido executada devido a um adiamento da pena de morte pelo governador do estado, tendo falecido anos depois devido a causas naturais, mas sem descendência que lutasse pela reabilitação do seu nome e o reconhecimento da sua inocência, ao contrário do que sucedeu com outros condenados.
Foi graças a um projecto escolar de educação cívica que se veio a descobrir essa lacuna na história da justiça americana, quando a professora da turma orientou a pesquisa dos alunos. Descobriram então que ainda haveria uma ponta solta do processo das “bruxas” de Salem, chamada Elizabeth Johnson, e que era á única condenada por bruxaria naquele final do séc. XVII que ainda não tinha sido absolvida. Foi então que uma senadora dos EUA se envolveu no assunto dando todo o apoio à reposição da verdade e da justiça naquele caso tenebroso e que redundou finalmente no reconhecimento formal da sua inocência.
Bruxas e feiticeiras sempre povoaram o imaginário popular e certas posturas religiosas usaram e abusaram da ignorância e do medo para infundir o terror nas populações e mais facilmente as controlar. Durante a Idade Média inúmeras mulheres com perturbação mental ou distúrbio emocional foram lançadas na fogueira, acusadas de bruxaria, apenas por serem… diferentes.
Por essa altura já os julgamentos por acusações de bruxaria estavam a desaparecer na Europa, mas vieram a ser retomados nas colónias americanas, pois os dissidentes religiosos que colonizavam a Nova Inglaterra pretendiam construir uma nova sociedade baseada na sua interpretação dos textos bíblicos. Deu-se então uma espécie de histeria religiosa no Novo Mundo, na forma duma explosão fundamentalista que pouco ficaria a dever às piores práticas inquisitoriais.
A sociedade vê hoje renascer um fenómeno preocupante através do populismo religioso que emerge um pouco por todo o mundo. Começa por ostracizar minorias, fés e culturas diferentes e cujos profetas irão até onde os deixarem ir. Para já sugere guetização de minorias étnicas, prisão perpétua, pena de morte e outras medidas que não são compatíveis com sociedades civilizadas e estados de direito fundados nos alicerces da democracia e da liberdade. Por isso torna-se indispensável estarmos atentos às novas formas de caça às bruxas.
O drama originou o filme “As bruxas de Salém” (1996), dirigido por Nicholas Hytner, sobre o guião de Arthur Miller. Actualmente existe na região o Museu das Bruxas (Salem Witch Museum), um parque e um memorial em memória das vítimas, inaugurado em 1992, por ocasião do 300º aniversário dos julgamentos que ainda hoje envergonham a justiça americana.
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