Segundo pesquisas recentes a população entre os 16 e os 24 anos de idade que se nomeia “sem religião” já supera o número dos que se afirmam católicos ou evangélicos no Rio e em São Paulo. Pelo menos é o que indicam os estudos da Datafolha já em 2022. O Censo de 2020 terá sido adiado para este ano devido à crise pandémica, e por isso estes números são provisórios mas indicativos.
De acordo com os censos demográficos a categoria dos “sem religião” apontava para 0,5% da população brasileira em 1960 mas foi crescendo em todas as décadas chegando a 8% em 2010, prevendo-se que hoje ande pelos 14% contra 49% de católicos e 26% de evangélicos. Mas no estudo da Datafolha o crescimento deste segmento entre os jovens chega a 25% no país. Em São Paulo atingem a marca de 30% contra 27% de católicos, 24% de evangélicos e 19% de outras religiões, e no Rio são 34%, contra 32% de evangélicos, 17% de católicos e 17% de outras religiões.
Temos assim que em São Paulo e no Rio há mais jovens “sem religião” do que católicos ou evangélicos. Mas quem são eles? Ao contrário do que se possa pensar não são ateus nem agnósticos. Segundo a BBC News: “No Censo de 2010, por exemplo, dos 15,3 milhões de brasileiros que se diziam sem religião, apenas 615 mil (4% dos sem religião) se consideravam ateus e 124 mil se afirmavam agnósticos (0,8%).” Trata-se antes dum fenómeno de desinstitucionalização que leva os indivíduos a permanecerem afastados das igrejas mas conservando “uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais enformadas por crenças religiosas”.
Estas pessoas articulam elementos de diferentes religiões numa espiritualidade mais fluida, através duma tendência sincrética, podendo também nestas idades significar uma fase experimental: “Há uma trajetória de busca e experimentação que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas”. Em parte o fenómeno decorrerá do facto de terem crescido em famílias plurirreligiosas como, por exemplo: “com avó mãe de santo, pai católico não praticante e mãe evangélica. Esses jovens não sentem a obrigação de seguir uma religião de família e tendem a buscar uma religiosidade própria.”
A ideia de que o processo de secularização acabaria por atirar com a fé para o museu está realmente cada vez mais longe da realidade, visto que não há um desvincular do sobrenatural, apenas outras formas de viver a espiritualidade.
Segundo a investigadora brasileira Regina Novaes esta tendência dos “sem religião” aumentou exponencialmente desde os anos noventa mas terá acelerado ainda mais devido, por um lado à “emergência das religiões afro-brasileiras como uma opção cultural, diante do fortalecimento da luta antirracista no país,” e por outro à dificuldade das novas gerações de evangélicos se identificarem com questões morais e comportamentais prevalecentes nas suas comunidade de fé, assim como com os compromissos políticos das lideranças religiosas, tornando-se assim “desigrejados”. Segundo a revista VEJA: “os desigrejados consideram que a igreja está desvirtuada em sua natureza, na essência, na proposta relacional comunitária e em sua oferta de missão e serviço.”
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2010 revelou que o número de cristãos evangélicos “não determinados” era de 9,2 milhões (21%), mas estima-se que sejam hoje mais de 16 milhões de pessoas, ou seja, o segundo maior “grupo confessional” do país. É por isso que começa a desenhar-se a ideia de que o declínio da igreja católica no Brasil não dará aos evangélicos uma maioria religiosa dentro de dez anos, como alguns observadores preconizavam. É o que pensa a cientista social Sílvia Fernandes: “O declínio histórico do catolicismo continua, com a igreja católica perdendo fiéis a cada década. Mas, ao mesmo tempo, você não tem os evangélicos crescendo na mesma proporção e parte disso é explicado por esse fenômeno dos sem religião”.
Mas o Brasil não é caso único. Os Estados Unidos estão a viver um fenómeno semelhante em que a média de idades dos crentes ronda os 60 anos (56 nos evangélicos brancos, 54 nos católicos), denotando a perda das gerações mais novas, sendo que os “sem religião” (aí denominados “nones”) já eram 23% em 2020. De acordo com o Public Religion Research Institute, os protestantes brancos de igrejas tradicionais superam agora os evangélicos brancos, o que contraria uma tendência anterior e os estados com maior diversidade religiosa do país estão em Nova Iorque.
O crescimento impressionante dos “sem religião” verifica-se não apenas nas Américas mas também na Europa, incluindo em Portugal, de acordo com o último estudo realizado na Área Metropolitana de Lisboa, dirigido pelo Prof. Alfredo Teixeira. Há que investigar o porquê da desinstitucionalização e da desidentificação religiosas no país, tendo como referência o trabalho que vem sendo desenvolvido nos últimos anos por especialistas como a socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger (Berkley Center for Religion, Peace & World Affairs). Só assim se compreenderá o fenómeno.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.