E as estrelas do segundo dia de debate do Orçamento do Estado para 2016 foram… Sérgio Godinho e Jorge Palma. Em maré de citações dos cantautores da música portuguesa, o deputado do CDS João Almeida mostrou-se um dos mais documentados. O ministro Vieira da Silva pediu-lhe meças. E outros os acompanharam na inesperada atividade de… dar música aos portugueses.
Na substância argumentativa, discutiram-se números, um pouco mais do que ontem – ou não fosse o dia da intervenção do ministro das Finanças, autor deste patinho feio, o OE 2016, que o Governo espera ver transformado em cisne (ver crónica anterior). Mas continuou a ser um debate sobretudo político, com argumentação enfadonha e insuportavelmente repetitiva, à esquerda e à direita. Dir-se-ia que todos tinham um texto comum que quiseram resumir com palavras suas. E o passado foi protagonista, na base da governação dos últimos quatro anos. PS e PSD, agora com os papéis invertidos entre Governo e Oposição, fizeram o remake de debates pretéritos. E, por entre as citações de Sérgio e de Palma, bem podiam dedicar um ao outro as palavras dos Xutos & Pontapés: “O que foi feito de ti, e o que foi feito de mim, já me lembrei, já me esqueci”…
E, no entanto, a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, levantou uma pertinente questão que pode colocar-se, a médio prazo, à liderança do PSD. Ao recusar definir propostas para apresentar na discussão na especialidade, o PSD sai do jogo, apostando que algo vai correr mal: ou com os mercados, ou com o défice, ou com Bruxelas, ou, sobretudo, com os acordos à esquerda. Mariana Mortágua acusou Passos de ficar sentadinho à espera, E o ministro Vieira da Silva disse que o adversário aguarda o comboio na paragem do autocarro. Ora, para o caso de um sucesso da execução Orçamental – de que, valha a verdade, muitas entidades independentes, a começar pela Comissão Europeia, duvidam – o PSD parece estar sem…Plano B. Vieira da Silva bem podia variar um pouco de Sérgio Godinho e citar os Deolinda à bancada “laranja”: “Anda, desliga o cabo, que liga a vida a esse jogo. Joga comigo um jogo novo, com duas vidas, um contra o outro”…
O plano B que o PSD não tem sobra ao Governo e a Mário Centeno. Afinal, quais serão as medidas adicionais que prometeu a Bruxelas?, perguntou a direita, e bem. Ainda por cima, Mariana Mortágua nega a evidência que o Governo reconhece, dizendo (ameaçando?): “Não há plano B nenhum”. Uma contradição bem apanhada pela deputada do CDS, Cecília Meireles. Que, no meio de tanta cantiga, se esqueceu de citar um quase desconhecido músico brasileiro, o rockeiro sertanejo Lucas Lucco, que canta: “Eu já tentei o plano A, e o plano de amar você falhou. Agora vou tentar o plano B”… Mário Centeno deve decorar este refrão, para a eventualidade de ter de o usar, daqui a uns meses, em concerto exclusivo para… o Eurogrupo. “Eu vou, eu vou, eu vou tentar o Plano B” repete em acordes sucessivos o artista Lucco (Centeno?).
As juras do Governo de recuperação do rendimento das famílias obrigam-nos a regressar aos Xutos & Pontapés. “Tudo o que tenho, tudo o que me dás, nem consigo acreditar”. Esperando, está claro, que o Governo não venha cantar-nos, daqui a uns tempos, uma música dos Deolinda: “O que é dado como um ganho, vai-se a ver, desperdiçamos, sem nada dar a ninguém”…
Imperturbável, o ministro das Finanças, Mário Centeno, inaugura um novo estilo que se saúda, bem distante de todos os seus antecessores. Em vez do ar austero, severo e mandão, exibe um permanente sorriso, mesmo quando lança as suas farpazinhas à ditreita, que canta em coro a balada dos Corações de Atum, liderados pelo sempre acutilante Manuel João Vieira: “Mas ter que ver o teu sorriso em todo o lado só faz doer um coração tão trapalhão, apaixonado”.
E os portugueses, que esperavam, e esperam, o fim da austeridade, já olham para o Governo a que vasco Pulido Valente chamou “da geringonça”, com uma música dos sempre sábios Xutos nos lábios: “Ai se ele cai, vai-se partir, o coração, vai-se partir…”