Ao que parece, a série de televisão Chernobyl está a atrair os chamados turistas do macabro à região da antiga central nuclear. Os responsáveis soviéticos esforçaram-se para que os efeitos da radiação chegassem o menos possível aos nossos dias, mas não conseguiram evitar os efeitos da palermice, que são mais persistentes. Quem se expôs a Chernobyl ficou radioactivo; quem se expôs à série Chernobyl ficou parvo. Acontece o mesmo, segundo dizem, com a série Narcos, que leva turistas a reconstituir os passos de Pablo Escobar em Medellín, e com a série Mindhunter, por causa da qual várias pessoas têm feito um périplo pelas localidades americanas onde assassinos em série cometeram os seus crimes. Depois das férias de sonho, as férias de pesadelo. Como é evidente, estes turistas tiram divertidas selfies nos locais onde as catástrofes ocorreram.
A vida não examinada não vale a pena ser vivida, e a vida não partilhada nas redes sociais vale ainda menos. Um dos aspectos do fim do mundo que antecipo com mais expectativa (eis uma frase que se ouve poucas vezes) é a quantidade de selfies com bolas de fogo e chuvas ácidas que as pessoas vão conseguir colocar no Instagram e quantos likes vão ainda obter antes de o planeta explodir. Pode ser que, entre a publicação da primeira selfie em frente a uma bola de fogo e, trinta segundos depois, a aniquilação total do planeta, um influencer seja ainda capaz de alcançar um patrocínio de uma marca de extintores. #ExtintoresMartins.
Se estivesse viva para conhecer o advento do turismo macabro resultante das séries televisivas, a minha avó estaria inevitavelmente a sugerir que se fizesse uma série sobre a lavoura, a ver se as pessoas tinham vontade de pegar numa enxada e aprender como se cava um rego de cebolas. Tal como muitos velhos da sua geração, a minha avó tinha uma solução infalível para todos os problemas do mundo, que consistia em obrigar os vagabundos a pegarem numa enxada. “Vagabundos” era a designação de todos os habitantes do planeta, com a excepção de mim e dela. Às vezes, só dela.
Já eu, que sou um velho de uma geração posterior, não percebo o entusiasmo. No meu tempo, já havia turismo macabro. Chamava-se “duas semanas no Algarve”. A família toda junta, 24 horas por dia, sem a pausa medicinal da ida para o trabalho ou para a escola que ocorria no resto do ano – tudo isso proporcionava momentos suficientemente macabros. Chernobyl é para meninos.
(Crónica publicada na VISÃO 1385 de 19 de setembro)