A atenção dada à guerra na Europa tira-nos alguma perspetiva sobre o que se passa no resto do mundo. Esse exercício de análise ampliada não implica o congelamento da situação na Ucrânia ou de outras dinâmicas em curso no continente europeu, antes procura pontos de ligação com esse mesmo epicentro geopolítico. O caso mais importante está a acontecer no Japão que, também pela agressividade russa, acaba de rever as suas principais estratégias de segurança e defesa, revolucionando uma doutrina solidamente acomodada em princípios defensivos e não beligerantes desde a II Guerra Mundial. Se a invasão da Ucrânia pela Rússia reavivou a defesa coletiva na NATO, acelerando investimentos e revisões de doutrinas nos aliados e nalguns vizinhos, também reacendeu o imperativo de segurança na fronteira asiática, com quem o Kremlin também partilha memória histórica e tensões estratégicas ainda latentes.
São precisamente estes dois complexos de segurança regionais, o europeu e o asiático, que nos devem prender a atenção nos próximos tempos. De preferência em paralelo, dada a existência do mesmo garante de segurança, os EUA, acelerada pelo comportamento de uma grande potência que, no caso russo, é já uma ameaça materializada; e, no caso chinês, encarada como “o maior desafio estratégico”. Lembro que o documento japonês anterior, de 2013, referia-se à China como “assunto de preocupação” e que o Livro Branco da Defesa, de 2019, a considerava “grande adversário estratégico”. Não é, aliás, à toa que a nova Estratégia de Segurança japonesa foi publicada apenas um mês após o último congresso do partido comunista chinês, nem que o seu horizonte temporal vá bater no próximo, marcado para 2027. A deterioração da perceção japonesa tem evoluído à medida que o autoritarismo de Xi Jinping se afirma, dinâmica entrelaçada com o constante perfil ameaçador reservado à Coreia do Norte.