Itália continua a ser um dos laboratórios políticos mais interessantes da Europa e as últimas legislativas tiveram os condimentos habituais deste nosso tempo: novidade, fragmentação, medo, incerteza, esperteza, repetição e cristalização. Esta amplitude de características vem mergulhando as democracias europeias num ciclo alucinante de autofagia, intercalada com períodos curtos de sustentação da respiração e outros de alarmismo justificado. Andamos, como nunca, presos às notícias sobre eleições nos países nórdicos, no Leste, no Báltico ou no Sul da Europa. Se, como alguém disse em tempos, a guerra é a forma de os americanos aprenderem geografia, os europeus estão a conhecer melhor o continente onde moram através do dramatismo eleitoral.
Estas legislativas italianas estiveram totalmente centradas em Giorgia Meloni, a novidade do sempre agitado tabuleiro político. Novidade não significa ausência de percurso político, como foi o caso do humorista Beppe Grillo, quando há uma década e meia formou o Movimento 5 Estrelas. Meloni já tinha sido ministra no último governo de Berlusconi, é deputada desde 2006 e liderou o grupo nacionalista no Parlamento Europeu. A novidade que a própria conseguiu reconstruir passou pelo contraste da sua aparente juventude política com o universo masculino e envelhecido que impera em Itália. Foi também esse contraste que há uns anos tornou Matteo Renzi na esperança da renovação do sistema italiano, ele que já vinha de um bem-sucedido mandato à frente da câmara de Florença. A frescura de Meloni tem adesão suplementar em tempos de angústia, quando parecem esgotadas todas as escapatórias, todas as fórmulas, todos os protagonistas. Também por isso, Salvini e Berlusconi tiveram um tropeção monumental nestas legislativas e Enrico Letta, líder do Partido Democrata e antigo primeiro-ministro, não conseguiu entusiasmar novos eleitores. Nas eleições com a maior abstenção desde 1946, Meloni não precisou de grande mobilização para vencer, bastou-lhe camuflar radicalismo para se diferenciar dos parceiros de coligação e reinventar-se como uma líder aparentemente responsável, futura depositária da maior fatia europeia do PRR, vital à sobrevivência de Itália, e agregador do voto no centro e norte empresarial do país.