Com a secção ‘Sociologia do Quotidiano’ pretende-se tratar acontecimentos do dia-a-dia, através de uma análise dos processos do funcionamento e transformação da sociedade, dos diversos comportamentos e práticas (individuais e de grupos) da vida quotidiana, incluindo as interações sociais e políticas, onde se jogam os interesses (que por vezes conflituam) dos diferentes agentes sociais.
As últimas sondagens corroboram o que já era esperado: André Ventura “Chegou” para ficar. Temos de reconhecer – ele é um fenómeno político. Com um partido criado apenas em 2019 – e com um único deputado (ele próprio) – é já a terceira força política do País.
É importante refletir sobre as razões desta meteórica ascensão da direita radical em Portugal. A pergunta central é: quais são as razões que levam as pessoas a votarem no Chega?
1. A sistémica e impune alta corrupção económica, promovida ou protegida pelos sucessivos governos (PS, PSD, CDS). Como testemunham os antigos e recentes escândalos (BPN, BCP, Portugal Telecom, EDP, BES/Novo Banco, Submarinos, TAP e outros – a lista é enorme). Recordo ainda as seletivas isenções fiscais, vistos gold e os suspeitos ajustes-diretos na contratação pública. A alta corrupção confirma que o governo é subserviente ao capital externo – sim o externo, porque o capital nacional já foi delapidado ou transferido para as offshores sem deixar rasto; lembram-se do famoso apagão do Fisco?
2. Quem exerce efetivamente o poder. Quem manda em Portugal não é o povo, através do sistema de representação política. O poder político é controlado por uma velha elite nacional, incompetente e maniatada, que defende os investimentos dos grandes grupos económico-financeiros internacionais, em prejuízo dos interesses nacionais e dos contribuintes portugueses.
3. As características do próprio sistema de poder: com certeza, os leitores já notaram que os líderes partidários, ministros, deputados são (quase) sempre os mesmos. E o mesmo acontece com os representantes dos sindicatos (ligados aos partidos) e a liderança no futebol, este outro importante polo de poder e também de corrupção.
Neste contexto político, predominando o clientelismo, que faz parte da cultura portuguesa, se alguém traz ideias inovadoras – e, principalmente, dá sinais de independência – é barrado pela ‘velha elite’, detentora de um poder (quase) absoluto. O resultado é que não há renovação dentro dos partidos e, quando isso ocorre, os novos ‘jotinhas’ seguem a cartilha da ‘velha-guarda’.
4. A maneira como a esquerda exerce o poder: como os vários e recorrentes escândalos testemunham, o Partido Socialista tem a (alta) corrupção no seu ADN. Mas, neste aspeto, o PS não difere em nada dos partidos de direita (PSD e CDS) que, juntos, mandam no país desde a Revolução de 1974. Esses dois segmentos políticos são ambos fortemente clientelistas – os ‘jobs for (our) boys’ é apenas um exemplo. Como já escrevi noutra crónica aqui na Visão, os amigos António (da esquerda) e Marcelo (da direita) agem juntos nas práticas de ilusionismo e entretenimento, com o propósito de desviar a atenção dos reais problemas do país e que afetam a vida quotidiana do povo português.
A (eficiente) estratégia de Ventura é passar a ideia de que ele e o seu partido são diferentes desta velha e embolorada classe política. Ele é o oposto: é jovem, inteligente, carismático, inovador, excelente comunicador, é livre para falar o que pensa (provocador), para dentro e fora do seu partido. É óbvio que é um discurso marcadamente populista, mas funciona, pois os eleitores estão cansados de eleger sempre os mesmos partidos, sempre as mesmas pessoas, com resultados desastrosos para o desenvolvimento económico e social do país.
Enganam-se aqueles que, com miopia política e jornalística, pensam que Ventura é como um cometa – chega, brilha e desaparece. Não devemos subestimar este fenómeno. Embalado nos braços do PSD (como já aconteceu nos Açores), o Chega veio para ficar e vai adquirir cada vez mais poder em Portugal.