Esta semana, enquanto a esmagadora maioria das pessoas andam entretidas nos detalhes das homenagens de despedida da Rainha Isabel II, o mundo pula e avança. Pula, na Ucrânia, com uma das mais espetaculares e rápidas contraofensivas desde a II Guerra Mundial. E avança na Europa em matéria de combate à inflação. “Avança para lugares estranhos, ou pelo menos improváveis. Dá-se o insólito de termos uma presidente da Comissão Europeia da direita alemã a defender medidas mais à esquerda do que as do primeiro-ministro socialista português em matéria de taxação de lucros extraordinários das empresas”, enquadra Mafalda Anjos, diretora da VISÃO.
O tema dos “windfall taxes”, ou os impostos para taxar lucros “caídos do céu”, esteve em análise esta semana no Olho Vivo, o programa de comentário político e económico da VISÃO. Ursula von der Leyen defende redistribuição dos lucros excessivos das empresas de energia e apresentou um plano, e a proposta Proposta da Comissão de taxar lucros excessivos aceite pelos eurodeputados portugueses.
“Para enfrentar os tempos que se aproximam, não chega poupar energia e tentar armazenar a maior quantidade de gás possível, vai ser preciso ter também muito dinheiro”, lembrou Rui Tavares Guedes, diretor executivo da Visão, a propósito da proposta da Comissão Europeia de avançar com uma taxa provisória aos lucros excessivos, nomeadamente às empresas de energia. “Ursula von der Leyen fez questão de avisar que os próximos tempos não vão ser fáceis e, por isso, à boa maneira germânica, nesta altura vai ser mais importante o pragmatismo do que a ideologia”.
Por cá, o tema divide o Partido Socialista. “António Costa Silva, Alexandra Leitão, Pedro Marques, Carlos César, Pedro Delgado Alves jjá se pronunciaram a favor, mas ANtónio Costa não gosta da ideia. Está à espera d ever que respaldo tem na Europa para avançar, sendo certo que as empresas portuguesas já são taxadas ou contribuem de várias maneiras diferentes, nomeadamente através da derrama, do mecanismo de compensação ibérico e com a possibilidade de passagem para o mercado regulado do gás que onera a Galp”, sublinha Mafalda Anjos.
Porque razão, então, o socialista António Costa não é um entusiasta da ideia da conservadora Ursula von der Leyen? “Por uma questão de tacticismo exacerbado. António Costa é acusado, desde os tempos da Câmara de Lisboa, de ser o autor de muitas ‘taxas e taxinhas’ e, no governo, também é visto, pela oposição, como alguém que se recusa a aliviar a carga fiscal. Portanto, neste cenário, Costa considera que defender a tributação dos lucros excessivos seria prejudicial para a sua imagem”, considerou Rui Tavares Guedes.
Filipe Luís, editor de política da VISÃO, lembra que “a margem para aumentar impostos não é igual em todos os países da UE”. “Por isso é que Ursula van der Leyen, que vem da direita alemã, defende a taxa sobre os lucros excessivos e António Costa, primeiro-ministro socialista de Portugal, torce o nariz. Mais do que ideológico, o problema é este. Ou bem que há uma harmonização fiscal em toda a Zona Euro, ou bem que não há”, explica.
O tema do pacote de apoio às empresas anunciado ontem, no valor no valor de 1,4 mil milhões de euros, esteve também em análise. No total, a somar aos anteriores anunciados e em curso, são 5,4 mil milhões de euros para responder à inflação. “São medidas que apenas estão acessíveis para um pequeno conjunto de empresas, ou que consistem em linhas de crédito, ou seja, mais dívida”, explica Mafalda Anjos. É verdade que o Estado também arrecadou “lucros excessivos” com as receitas fiscais graças à inflação. Devia redistribuí-los com mais generosidade, defende Filipe Luís. “Mas atenção: o Estado também consome combustíveis, paga eletricidade e paga a fornecedores. Também terá uma despesa excessiva com a inflação. As medidas de apoio nunca servirão para resolver os problemas das famílias ou das empresas. Servem apenas para mitigar os sacrifícios, são kits de sobrevivência. E poderemos ter novidades mais para a frente, seja no Orçamento do Estado, seja em novos pacotes. O Governo não quer gastar tudo em one shot”.
Na Saúde, já aconteceu a renovação pela qual o País aguardava. Foram anunciados Manuel Pizarro como ministro, Fernando Araújo como gestor do SNS: Entender-se-ão? “Vamos ter fricção garantida e jogos de passa culpas, porque não é fácil de imaginar situações de fronteira em que não é claro de quem é a responsabilidade”, diz Mafalda Anjos.
Manuel Pizarro tem peso político, Fernando Araújo tem peso técnico. “São uma dupla que se complementa. Pode funcionar bem. Mas se nada muda nas políticas de Saúde, ficaremos a saber que houve aqui apenas uma dança de cadeiras. Se algo mudar, Costa fica desautorizado e, afinal, a política não “é a do Governo” mas a do ministro. Mas nestas matérias, como noutras, Costa sai-se sempre airosamente e muda com grande habilidade. Faz-me lembrar uma máxima da Cavalaria: o primeiro-ministro nunca recua. Dá meia volta e avança…”, brinca Filipe Luís.
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