O Olho Vivo, o programa de comentário político e económico da VISÃO, está de volta depois de um interregno estival neste verão quente, que de silly season não teve nada. “A situação em Agosto não foi silly, foi séria: tão séria que fez cair uma Ministra e que fez tremer outro Ministro. É preciso falar de borrões, de mata-borrões e de nódoas impossíveis de serem apagadas ou disfarçadas. O culminar de cinco meses de horribilis para António Costa”, enquadra a diretora Mafalda Anjos.
“Nunca, em tão pouco tempo, um governo de maioria absoluta teve tantos casos. Com a saída de Augusto Santos Silva e de Pedro Siza Vieira, nota-se a ausência de peso político e de gestão política do Governo. Como se viu no caso do despacho sobre o novo aeroporto, anunciado durante a ausência, no estrangeiro, do primeiro-ministro, e de que a sua n.º 2 e substituta, Mariana Vieira da Silva, terá sido a última a saber…”, destaca Filipe Luís, editor de política da VISÃO.
“Marta Temido não foi capaz de traduzir a popularidade nas sondagens em peso dentro do Governo para exigir mais recursos a António Costa”, aponta o jornalista Nuno Aguiar. “Já nos podemos rir do tempo que passámos a falar de Marta Temido como futura líder do PS? Deve ser a situação preferida de António Costa: elevar uma ministra sem peso e simular que ela tem responsável pela área?”
“Há várias lições a retirar desta saída”, comenta Mafalda Anjos. “É preciso evitar erros de avaliação, a popularidade não é garantia de uma boa pasta. Marta Temido sai pela porta pequena quando podia ter saído pela porta grande, com uma popularidade em alta e uma simpatia generalizada no fim do primeiro mandato. Fez um erro de auto-avaliação e foi mal-avaliada. Por outro lado, é preciso evitar esticar a corda da paciência das equipas e da tolerância dos portugueses. E é de evitar meter ideologia à frente dos resultados. As pessoas precisam de bons serviços de saúde e pouco lhes importa quem os presta. Por fim, é bom que António Costa perceba que uma maioria absoluta não confere uma carapaça inquebrável”, explica.
Embora a saída da ministra fosse praticamente inevitável, devido às dificuldades de relacionamento com os profissionais e a falta de cobertura política do primeiro-ministro, “é importante lembrar que existe uma guerra constante na saúde”, lembra Nuno Aguiar. “É uma guerra corporativa – na relação com os profissionais – e ideológica, face ao setor privado”. Essa guerra existe até dentro do PS. “Temido comprou duas guerras sem ter proteção política suficiente.”
As declarações do Primeiro-Ministro depois da saída de Marta Temido também oferecem dúvidas a este painel de olheiros. Mafalda Anjos destaca o facto de António Costa ter sublinhado que “a mudança de membros do Governo é uma mudança de personalidade e de estilo, e não mudanças de políticas, que são do Governo”, algo que “limita à partida a escolha do sucessor de Marta Temido, porque eventuais críticos, não só da Ministra como das políticas seguidas, como por exemplo Fernando Araújo, não terão vontade de assumir uma função na qual não vão ter muito a acrescentar, porque está tudo definido à partida, incluindo o nome do gestor do SNS”.
Filipe Luís concorda: “António Costa afirma que a política de Saúde do Governo ‘não terá qualquer mudança’. Isto quer dizer que o próximo ministro até pode ser um saco de batatas – o que conta são as instruções do primeiro-ministro…”
Fernando Araújo, residente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João, tem sido elogiado pelas suas ideias acerca do SNS, mas também sobre a reforma que efetuou nos hospitais do Norte, com a introdução de urgências metropolitanas. “Não há melhor altura para ser ministro da Saúde do que antes de aceitar ser ministro da Saúde”, brinca Nuno Aguiar.
Para Filipe Luís, a narrativa do Governo, a propósito da crise da pandemia, é a de que o SNS, afinal, dá a resposta necessária. “Mas está provado que não dá: o foco na pandemia afetou por muitos anos a resposta noutras áreas da Saúde e já se nota na regressão de vários números pós-pandémicos, como aumento da mortalidade excessiva, muito acima da média europeia. Ou seja, é preciso, ao contrário do que diz Costa, outra política”, afirma.
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