Habemus, finalmente, Governo. Ou pelo menos a lista com os nomes dos ministros que deverão tomar posse no final deste mês. E habemos também uma mini-crise institucional, uma vez que os nomes saíram para a comunicação social antes de serem apresentados ao PR, que acabou por dispensar a audiência com o PM. E não escondeu o desagrado.
“Aconteça o que acontecer, este governo já entrou para a história: é o primeiro governo paritário em Portugal: pela primeira vez há mais mulheres do que homens: são 9 em 17 ministros. Foram precisos 17500 dias em democracia para cá chegarmos”, diz Mafalda Anjos, diretora da VISÃO. “Neste governo, há 8 caras novas, 6 ministros mantêm-se na pasta e 3 dirigentes mudam de pasta. Este é também um governo mais pequeno, com 38 secretários de Estado. E há algumas caras novas da sociedade civil que são boas surpresas: António Costa Silva na Economia e Mar, Elvira Fortunato na Ciência e Ensino Superior, Helena Carreiras na Defesa. Pelo caminho o PSD, que anulou do votos do círculo da Europa, perdeu o deputado que tinha conquistado e ficou com zero. Ainda dizem que os emigrantes andam distraídos…”, resume.
“O peso político do elenco do Governo foi claramente reforçado. Estão lá todas as principais figuras do atual PS – e a nomeação de Fernando Medina para as Finanças é um símbolo desse reforço político. António Costa pôs toda a carne no assador”, diz Filipe Luís, editor-executivo. “Há uma grande curiosidade, na análise politica dos próximos tempos, sobre as tensões que podem ou não surgir entre estes protagonistas todos. O ministro das Finanças, Medina, que é o principal rival interno de Pedro Nuno Santos, vai abrir os cordões à bolsa para lhe “comprar comboios”?…”, questiona.
Mariana Vieira da Silva, “cujas capacidades políticas são evidentes e reconhecidas”, é uma óbvia aposta de Costa, como n.º 2. “Vai ter a coordenação do PRR, a Administração Pública… Vamos ver se não é demais, se não serão demasiadas fichas apostadas na mesma figura.” Mafalda Anjos corrobora: “Mariana Vieira da Silva acumula dois ministérios, e ainda por cima um de peso como o do planemanto e PRR, à sua pasta. Fica soterrada de responsabilidades.”
Nalguns casos, os novos nomes representarão uma mudança signifcativa de perfil. Fernando Medina nas Finanças é um exemplo. “Embora seja economista, é um perfil menos técnico e mais político. Será interessante se interromperá a escola Mário Centeno dos últimos anos, de grande controlo da evolução da despesa e de tensão com os outros ministérios”, refere o jornalista Nuno Aguiar. Essa estratégia provocou críticas – por vezes até internas – mas permitiu sucessivos défices abaixo do orçamentado. 2021 deverá ser o último exemplo disso. “Fernando Medina terá meio ano muito exigente, tendo de apresentar dois orçamentos e um programa de estabilidade, a meio de uma guerra e com uma pandemia que ainda não terminou. O ponto positivo é que o défice de 2021 deverá ter acabado muito abaixo da meta, o que dá mais margem ao Governo.”
Na Economia, António Costa Silva será um ministro interessante de acompanhar e difícil de definir à partida. “É um intelectual, com muita reflexão abrangente. Tem capacidade de trabalho e, ao contrário da imagem que criou nos últimos meses, não está fechado numa torre de marfim. Fez vida nas empresas e gosta de ir ao terreno visitar os sítios onde as coisas são feitas”, nota Nuno Aguiar. “Por outro lado – e isso ficou claro na visão estratégica para a década – parece ter alguma dificuldade em estabelecer prioridades. É também uma incógnita se terá capacidade de execução política.”
Uma solução expectável mas complexa é a da pasta da Saúde. “Marta Temido goza de popularidade junto dos portugueses, mas deparou-se com a tarefa mais difícil que um ministro da Saúde pode confrontar-se, que é uma pandemia. Lá fora, a maioria dos ministros da Saúde foram saindo. Haverá cada vez menos tolerância com os problemas que se acumulam no SNS, desde as listas de espera à falta de médicos. Este era o momento para o trabalho de Marta Temido ser reconhecido e chegar alguém com energia e sangue novo para arrumar a casa”, comenta Mafalda Anjos.
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