Para surpresa da classe política, na terça-feira passada o Tribunal Constitucional (TC) considerou nulos os 157 mil votos dos eleitores portugueses pelo círculo de emigração da Europa que tinham chegado sem a fotocópia do documento de identificação do eleitor. E mandou repetir as eleições nas 139 assembleias de voto do círculo eleitoral da Europa que viram votos anulados.
“Podemos escolher variados substantivos: irresponsabilidade, incompetência, inabilidade. Em qualquer dos casos, a anulação dos votos da emigração foi uma afronta à democracia que o Tribunal Constitucional não tolerou”, explica Mafalda Anjos no programa Olho Vivo desta semana. “Foram os freios e contrapesos judiciais a funcionar em todo o seu esplendor. E foi uma lição para partidos, deputados, CNE, MAI e Presidente da República, que vai custar um mês e meio de atraso ao País até ter nova Assembleia da República e novo governo em funções. Orçamento do Estado só lá para Julho…”, acrescenta.
Para Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO, “o arranjinho dos partidos, que misturaram os votos válidos com os que não respeitavam a lei, correu mal”. “E nem o Presidente da República sai muito bem disto: emérito constitucionalista, Marcelo veio dizer que a posse do Governo não seria adiada. Afinal, terá de ser. Se fosse outra figura que não Marcelo, a quem tudo se perdoa, teria sido acusado de tentar exercer pressões sobre o tribunal…”, afirma.
“Deve haver uma reflexão para o futuro sobre a proporcionalidade do voto dos emigrantes. Há bons motivos para ele ser menos representativo – aquelas pessoas não serão beneficiadas ou prejudicadas pelas políticas públicas -, mas é possível que esteja exagerado. Além disso, há algum desprezo por estes círculos. Viu-se, logo a seguir às eleições, quando se assumiu logo qual seria a distribuição de deputados. Não é dada a estes votos a dignidade que deveriam ter e isso terá de ser repensado”, comenta Nuno Aguiar.
De notar é, para Mafalda Anjos, a coragem do Tribunal Constitucional em fazer valer a lei. “Vale a pena olhar para o acórdão, que tem passagens importantes numa lógica. O TC sublinha que não é só o garante da Constituição e da constitucionalidade das leis, mas também que é ele, em contencioso eleitoral, que garante a legitimidade democrática do poder político. Isto é uma mensagem muito forte politicamente. Antecipo que vamos ter um TC mais interventivo adiante, neste contexto de maioria absoluta. E ainda há dias veio dizer que o isolamento de turmas inteiras durante o estado de calamidade violou a Constituição…”, antecipa a diretora da VISÃO.
Os efeitos desta situação estão à vista. “Estava previsto que o Governo tomasse posse por esta altura. Portanto, é mais do que provável que António Costa já tenha feito os convites. E há ministros que já sabem que vão sair. Depois da decisão do Tribunal Constitucional, que manda repetir a votação no círculo eleitoral da Europa, o Governo vive num limbo político”, diz Filipe Luís. “Afinal, vamos mesmo viver com duodécimos mais de metade do ano. É que o Governo não pode pura e simplesmente fazer copy paste do Orçamento que apresentou em Outubro e usar a sua maioria para aprová-lo: o contexto mudou e o documento vai ter de ser atualizado.”
Outro assunto em análise foram as decisões de alívio das restrições em Portugal e o fim do estado de calamidade e passa para situação de alerta. “Estes períodos de alívio são os mais difíceis de gerir. É um equilíbrio complicado. É expectável algum relaxamento, mas é necessário continuar a lembrar a necessidade de ventilação e a eficácia das máscaras em certos contextos. Além disso, não se deve passar a mensagem de que há zero perigo. Em primeiro lugar, porque a “Covid longa” afeta muitas pessoas e não sabemos ainda a duração dos efeitos. Em segundo, porque podem aparecer outras variantes”, analisa Nuno Aguiar.
Debaixo de olho estiveram ainda outros temas: o Estado de Direito e os fundos europeus, a “cultura da violência” no futebol segundo Paulo Futre, e o livro sobre o pai do spin, Edward L. Bernays.
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