Foi um frente a frente renhido: o candidato das estruturas contra o candidato das bases. Esta foi a narrativa que Rui Rio trouxe para cima da mesa, lançando a ideia de que se ele ganhasse, seria uma vitória dos militantes livres, se ele perdesse, era uma vitória do aparelho. A vaga de fundo a favor de Rangel que há um mês o colocava como vencedor anunciado perdeu gás e, no final, ganharam, por muito pouco, os militantes de base aos barões do partido foram 1746 votos de distância – a vitória mais curta de sempre no PSD.
“A miragem do poder ao virar da esquina derrotou Rangel. Pragmaticamente, os militantes avaliaram quem estaria em condições melhores de ganhar as próximas eleições. Noutro timing, sem legislativas à porta nem sondagens, o resultado poderia ter sido outro”, afirma Mafalda Anjos no programa de comentário político e económico da VISÃO.
O resultado, para já, é um PSD dividido. “Vai haver uma purga no PSD. E ela vai já notar-se, para a composição das listas de deputados, nos distritos onde as bases desautorizaram os respetivos dirigentes distritais ou concelhios que apoiaram Paulo Rangel. Vai ser uma ‘carnificina’! É a natureza de Rui Rio”, diz Filipe Luís.
A dinâmica de vitória de Rui Rio, que já vem das eleições autárquicas, pode ser de alguma forma contagiosa, em termos de eleitorado nacional, para 30 de janeiro. “A vitória de Rui Rio, contra as supostas “elites”, os media e os líderes de opinião ou barões é um pouco o ar do tempo. Ultimamente, temos visto resultados semelhantes que decorrem de narrativas parecidas, e há exemplos nacionais e internacionais” explica o editor de política da VISÃO.
“Esta é uma eleição sobre governabilidade e aquela declaração de Paulo Rangel sobre o pós-eleições era insustentável. Os militantes do PSD não são parvos e sabem que é quase impossível o PSD ter maioria absoluta. Responder apenas assim é insuficiente para esta eleição, quando será esse o tema de campanha. Rui Rio percebeu isso cedo”, diz Nuno Aguiar.
E o que seria melhor para o Partido Socialista? “A doutrina divide-se, mesmo dentro do PS”, explica Mafalda Anjos. “Rangel, ao ocupar mais a direita, poderia polarizar mais e estimular o voto útil da esquerda no Partido Socialista. Mas, por outro lado, tinha o efeito surpresa e um fator novidade imprevisível. Já Rui Rio vai buscar mais votos ao centro, roubando a algum eleitorado flutuante entre PSD e PS, mas por outro lado aceita à partida cenários de entendimentos ao centro, o que é mais confortável para António Costa”.
A eleição de Rui Rio pode também obrigar a uma reflexão profunda à esquerda do PS, já que parece dar aos socialistas outras opções de governação. “Se António Costa não tiver maioria absoluta – e é provável que não consiga -, tem à direita quem lhe viabilize orçamentos e não me parece que o preço seja alto. Bloco e PCP têm de perceber se querem ou não influenciar a governação. Isso implica aprovar orçamentos com medidas com as quais nãos e concorda e que não vão tão longe como se deseja, por vezes de forma dramática. Vale a pena ou não? Essa reflexão não está feita”, nota o jornalista Nuno Aguiar. “Talvez prefiram ficar como partidos de protesto, mas algum eleitorado ficará desiludido depois de 6 anos de Geringonça.”
No fim de semana passado aconteceu também o congresso do Chega. “Soou a um encontro da União Nacional, pelo menos na parte de Deus, Pátria e Família. A frase foi repetida três vezes, e André Ventura acrescentou-lhe o trabalho, para dar um toque pessoal, e juntou-lhe Sá Carneiro, esse mito político que vai do extrema-direita ao centro-esquerda”, diz Mafalda Anjos.
“O congresso do Chega foi o do ‘tiro ao PSD’. PS e António Costa estiveram praticamente “ausentes”. Para Ventura, antes, Rui Rio era o menos mau dos candidatos às diretas no PSD – mas assim que ganhou, passou a ser uma “vitória de António Costa”. Tudo isto tem muito a ver com a reconfiguração à direita: Ventura quer disputar diretamente o eleitorado com o PSD. E a colagem a Sá Carneiro não é estranha a isso”, sublinha Filipe Luís.
Em análise esteve também o veto presidencial à Lei da Eutanásia. “Sabe-se que o Presidente da República, católico e conservador, não tinha vontade de a promulgar, mas o Parlamento ajudou com um diploma que introduz dúvidas jurídicas pertinentes que Marcelo rebelo de Sousa jamais deixaria passar. E se não fossem estas, provavelmente trataria de encontrar outros pequenos detalhes para empurrar mais para a frente o diploma”, afirma a diretora da Visão.
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