O Parlamento Europeu aprovou no dia 2 de Maio, em Estrasburgo, um relatório de iniciativa que manifesta a intenção de serem criadas listas transnacionais para as respectivas eleições. Essencialmente, ainda que este tipo de relatório não produza efeitos imediatos, o Parlamento Europeu sinaliza uma ideia inimiga das democracias, dos povos e das nações ao pretender a criação de uma circunscrição eleitoral europeia.
Entenda-se, esta proposta de circunscrição poderá permitir ilusoriamente aos cidadãos dos diferentes Estados Membros da União Europeia eleger 28 deputados europeus em listas transnacionais. Assim, para além de votarem nos seus partidos nacionais, admite-se a hipótese de votarem ainda em candidatos apontados pelas famílias políticas europeias.
A concretização desta proposta, muito pretendida pela Comissão Europeia, está nas mãos do Conselho Europeu, dependendo da sua unanimidade. Qualquer um dos seus membros, a começar pelo português António Costa, poderá vetar esta ilusão democrática.
Na verdade, a admitir-se as listas transnacionais, abre-se um leque a uma representatividade desenraizada, sem ligação às realidades nacionais afastados das pessoas, determinada pelos directórios dos grupos políticos europeus. É perceptível que as listas de candidaturas transnacionais venham a ser dominadas invariavelmente por nacionalidades oriundas de países com mais eleitores, contrariando os princípios dos tratados europeus e afunilando os desequilíbrios entre os povos. No fundo, é uma ferramenta perfeita tanto para os directórios partidários, que passam a delimitar um conjunto de candidatos através de uma representação vazia, efectivamente fictícia, que lhes permite escolher entre os seus top boys, como ainda para os maiores países da União, que através dos partidos de poder dominam as respectivas famílias políticas europeias.
E mais: permite-se que líderes nacionais influentes no seio das famílias europeias determinem eurodeputados de outras nacionalidades que não as suas, sem auscultação dos respectivos partidos nacionais.
Este modelo, vindo do laboratório de ideias desconectado da diversidade e pluralidade tão características da Europa, contribui para uma UE ainda mais centrada e suportada no eixo franco-alemão, burocratizada nos corredores de Bruxelas e Estrasburgo e fechada sobre o prisma da continentalização.
Em causa pode estar, já nas próximas eleições europeias, não só a hipótese de um alemão poder votar num português ou irlandês (pouco provável face à menor expressão eleitoral destes dois países), mas também a faculdade de ser o alemão a indicar se o português ou o irlandês poderão constar na lista transnacional e constando, ser o alemão a escolher qual será esse candidato, sem que o próprio partido do português ou do irlandês tenha uma palavra.
Repare-se que as listas transnacionais não aproximam as eleições da UE dos cidadãos, mas antes criam um grupo de eurodeputados “sem raízes”, reforçando a distância entre os cidadãos e os deputados europeus. Além disso, reduzem a legitimidade do Parlamento Europeu, alimentando a ideia de uma União mais distante e centralizada, em vez de uma União Europeia mais democrática, com um raio de acção baseado na subsidiariedade.
Importa referir que há uma consciência nacional, com CDS-PP à cabeça, que não está sozinha neste repúdio às listas transnacionais. Os outros partidos portugueses representados no Parlamento Europeu (com excepção do antigo militante do PAN) também votaram contra. Contudo, o caso do PS é duvidoso. Os socialistas portugueses que em Bruxelas – todos menos um -reprovam a ideia, suportam o Primeiro-Ministro português que assinou de cruz a Declaração de Roma, em 2018, cujo conteúdo previa o surgimento de listas transnacionais. Curiosamente, o mesmo António Costa que defende afincadamente, e bem, a descentralização na lógica nacional, tem nas suas mãos a oportunidade de se demarcar com impacto da transacção da representatividade própria de cada país.
Este tipo de listas não são europeias nem democráticas; são uma construção artificial e centralista, que transacciona a soberania dos Estados e a vontade dos povos a troco das vantagens que alimentam o centralismo europeu que tanto tem prejudicado a EU e o seu amanhã. Para quem estima a democracia, a União Europeia enquanto projecto diversificado e os Estados enquanto realidades com dinâmicas e particularidades próprias, a proposta da lista transaccional merece um contundente não, obrigado!
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