Há, finalmente, um sobressalto cívico (na moda) sobre os critérios do plano de vacinação nacional, que continua a não considerar como prioritária, urgente, e no topo da primeira fase, depois dos profissionais de saúde, todos os idosos a partir dos 80 anos, como estão a fazer, e já muito avançados, vários países europeus. Esta falta de critério já era insustentável, quando se colocou a questão de dar prioridade nesta fase às forças armadas e policiais, arrastando para o último lugar as maiores vítimas do Covid, as pessoas a partir dos 70 anos, que representam 90% das mortes em Portugal. Há, ainda, alguma dúvida de que esta vacinação é a prioridade absoluta? E os bombeiros, meu Deus, quando chega a vez deles? São milhares na primeiríssima linha.
A situação piora, e muito, quando percebemos que a Europa está no fim da lista de entregas de vacinas – só aprovou ainda duas – e o que vamos recebendo são umas migalhas, umas sobras, e só de vez em quando. Sendo assim, e vai ser por muito mais tempo, a prioridade para a faixa etária dos 70/80 anos é ainda mais indiscutível. São eles que estão a morrer aos milhares. Na polémica anterior, a que iniciou esta confusão, o Dr. Manuel do Carmo Gomes, que também integra a comissão da vacinação, usou três argumentos inconcebíveis, para deixar em suspenso os idosos: são os mais contagiados, concordou, mas não transmitem com a mesma intensidade de outras idades, porque se deslocam pouco e por isso estão resguardados. E a pérola da argumentação, que deve ser de toda a “task-force”, era que estes idosos só ocupam, ou ocupavam, na altura, há um mês, nove (9)% das camas dos cuidados intensivos. Claro. Parece óbvio. Morrem que nem tordos muito antes de chegar às UCI.
Esta polémica agrava-se, e muito, com a decisão, anunciada pela ministra, de se começar a vacinação dos titulares dos órgãos de soberania. Se estamos a falar de 11 pessoas, que devem mesmo ser vacinadas, como o Presidente da República, primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República, ministra da Saúde, presidentes do Supremo e Constitucional, PGR, CEMGFA, Comandante nacional da GNR, e da PSP, e diretor da PJ, então nem se discute. Pelo contrário, se a ideia é vacinar e rebentar com as poucas vacinas que existem em milhares de titulares de todos os órgãos de soberania e políticos, nacionais, regionais e autárquicos, então é uma loucura sem critério nem sustentação.
Sempre foi esta gestão disfuncional, sem uma linha estratégica clara e direta, que colocou o país no estado em que está, e que se replica, como uma variante, no plano de vacinação. Era difícil copiar os melhores? Fica-nos mal seguir os outros planos de vacinação? Estamos a lidar com ciência espacial ou física quântica?
É também chegada a altura de a Europa dar um murro na mesa por causa das vacinas. As duas farmacêuticas falham todos os prazos, dão a sensação de que estão a fornecer outros países prioritários, ou que pagaram mais, e essa compra conjunta deveria ter um peso tão grande como a dos EUA, da Grã-Bretanha e de outros tantos. Estamos no final de Janeiro, e o número de vacinados é ridículo. A continuar assim, com estas pinguinhas, nem em 2022 alcançaremos a imunidade de grupo.
A propósito: estão à espera de quê para usar os novos medicamentos já aprovados pela FDA, e pela reguladora britânica, que têm um impacto direto no alívio do drama dos hospitais? E requisitar os outros médicos de especialidades que não são de primeira linha, que não estão no SNS nem nos hospitais privados, mas que desempenham as suas funções privadamente? E enfermeiros? Já alguém pediu ajuda às Ordens?