Ontem, ao ver as imagens do menino chorando e chamando pelo pai que partia para a guerra, apercebi-me de que tenho incorrido, senão num erro, pelo menos numa meia verdade.
Aquela criança, que mal sabia andar, conhecia já bem demais o significado e a dor da perda e ilustrou o que serão as gerações futuras da Ucrânia e de todos os países em conflito.
Sim, é verdade que as mulheres são das primeiras vítimas de todas as guerras. Mas, a seu lado, e com enorme violência, estão as crianças.
Não era por acaso que algumas ditaduras retiravam os filhos, ainda bebés, aos casais da oposição, para os entregar a famílias do regime que as educariam dentro do status quo vigente. Era uma forma de evitar a propagação de ideias (ideais, a maior parte das vezes) contrárias às que se pretendia perpetuar.
Foi assim durante a II Grande Guerra e de forma mais sistemática nas ditaduras da América Latina.
É uma prática tão horrível como eficaz.
Sim, porque estas crianças que viram e viveram os horrores que a grande maioria de nós felizmente nunca assistirá (esperemos…) não poderão jamais perdoar.
Haverá exceções, acredito que sim, mas o sentimento de vingança e de ódio crescerão à medida que se forem transformando em homens e mulheres mais conscientes e mais ativos.
Em junho de 2021, fontes ligadas a ONGs a atuarem no terreno, apontavam para a situação calamitosa de milhares de crianças ucranianas afetadas pela guerra
Os números oficiais, que por norma ficam sempre aquém da realidade, apontam para o desaparecimento de cerca de 10.000 crianças desde o início do conflito na Ucrânia em 2014.
Em junho de 2021, fontes ligadas a ONGs a atuarem no terreno, apontavam para a situação calamitosa de milhares de crianças ucranianas afetadas pela guerra, incluindo as que foram deslocadas das suas cidades de origem até às que sofreram ferimentos, morreram ou ficaram órfãs devido ao conflito.
Nesta nova ofensiva que começou o ano passado, 200 mil crianças terão sido levadas à força para a Rússia onde permanecem longe das famílias, presumivelmente em programas de “reeducação”.
Mas não são apenas estes os meninos e meninas da guerra. O conflito que desde há dez anos dura na Síria fez, segundo dados oficiais, cerca de 100 mil mortos e feridos entre crianças.
A ONU alerta para que metade das crianças sírias já nasceu durante o conflito.
Que outra realidade conhecem? Que adultos irão ser?
Poderão algum dia esquecer a fome, o frio, o abandono, a violência, o medo?
Nós sim esquecemos! Esquecemos porque nos bombardeiam com imagens e imagens que se sobrepõem de tal maneira que nos embotam o cérebro, quando no fundo o que é importante, o que realmente está em jogo são as pessoas!!!
Onde estão as crianças que a Rússia retirou das suas terras para as “proteger”? Porque não deixam organizações internacionais – Cruz Vermelha, UNICEF etc – monitorizar essas situações?
Quantas dessas crianças se verão um dia de arma na mão a combater o seu vizinho com quem brincavam, ou um seu familiar que não conhecem?
Mas, no meio de todo este caos, o exemplo da resistência ucraniana fora das suas fronteiras é extraordinário e deverá levar-nos a pensar que, num mundo em que o futuro não está assegurado, é imperioso sempre um plano B.
As crianças ucranianas acolhidas por Portugal, para além do estudo da nossa língua, seguem on line o programa escolar do seu país de origem. Isto é um exemplo, não apenas de nacionalismo, mas de visão de futuro.
Estas crianças voltarão a pisar a terra que era sua e terão nas mãos as ferramentas que lhes permitirão reerguê-la.
Se tal acontecesse com Portugal, cujo ensino da língua na diáspora já representa uma dificuldade, em poucos anos se perderia o hino nacional.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.