Por mais que estude, analise, observe, nunca deixará de me espantar a forma quase infantil como os meios de comunicação social em geral e as redes sociais cada vez mais em particular conseguem manipular a opinião pública.
As nossas agendas de pensamento são realmente controladas e encaminhadas para determinados assuntos, fazendo como se em redor tudo fosse deserto ou olvido.
Primeiro foi a covid. Durante meses infindáveis, não falámos, não pensámos, não discutimos, não ouvíamos nem víamos nada mais que não fossem assuntos relacionados com o vírus. Desde imagens de pacientes ligados a máquinas até a estatísticas de difícil e muitas vezes questionável análise, passando pelo ar desanimado e exausto dos profissionais de saúde, criámos um mundo covidado do qual só saímos para uns faits divers dispersos e muito tempo depois.
Mal tínhamos saído das férias de verão, mais ou menos libertas e ainda um pouquinho imbuídos de espírito natalício, eis que nos cai em cima uma guerra.
Primeiro, de forma quase ligeira e reduzida a uma região, para rapidamente se transformar num conflito bélico enorme, alimentado por relatos cada dia mais assustadores, a marcarem, não apenas a agenda mediática e por consequência a agenda pública, mas também a agenda política e económica.
Como todas as notícias têm uma vida e a guerra se encontra mais ou menos em banho maria (até parece que estamos ansiosos por uma entrada em força da NATO no conflito ou por um descuido nuclear que nos alimente o mórbido sentido de novidade), agora estamos em grande cruzada em relação ao Mundial de Futebol e ao facto de ser no Qatar.
Como nos dois assuntos anteriores, também este não é novo, nem tão pouco esvazia o mundo de situações bem mais importantes. A única coisa que acontece é que alguém lhe colocou um foco em cima. E essa evidenciação não é nunca inocente.
Dizer que a guerra na Ucrânia é o primeiro grande conflito bélico após a Segunda Guerra Mundial é ignorância ou pura hipocrisia. Esquecemo-nos da guerra dos Balcãs, com todas as atrocidades que levaram a julgamentos por crimes de guerra a alguns generais. Esquecemos a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014…
Vejamos a questão da pandemia. Foi a primeira que aconteceu? Não. Tivemos o HIV SIDA, tivemos o Ébola, tivemos a gripe das aves. “- Ah e tal… mas não com esta dimensão…” Será que não? Temos ideia do número de mortos ocorridos nas anteriores? Ou será que apenas por se terem cingido a determinados grupos ou regiões não tiveram tanto destaque? Ou não poderá ter existido no caso da Covid interesses políticos e económicos muitíssimo mais ferozes, que levaram a um empolamento mediático?
Dizer que a guerra na Ucrânia é o primeiro grande conflito bélico após a Segunda Guerra Mundial é ignorância ou pura hipocrisia. Esquecemo-nos da guerra dos Balcãs, com todas as atrocidades que levaram a julgamentos por crimes de guerra a alguns generais. Esquecemos a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014…
As ondas de choque são agora maiores? Sim, concordo. Mas são sobretudo mais empoladas e servem de desculpa para inúmeras tomadas de posição, quer políticas quer económicas, que de outra forma seriam inaceitáveis.
Por fim o Mundial.
Em bom rigor (e eu gosto da bola, note-se), assistimos a uma guerrinha entre dois países de cada vez, num campo relvado com vinte e dois homens atrás duma bola, a ver qual deles consegue enfiá-la na baliza do adversário. Resumindo é isto, certo? Independentemente desta redução ao mínimo denominador comum, é indiscutível o dinheiro que o futebol faz circular e a promiscuidade entre o desporto-rei e a política.
A questão dos Direitos Humanos no Qatar não surgiu com o Mundial, nem agora que começou nem quando foi esse o país escolhido para o evento. Ele tem décadas de silêncio internacional! Décadas de olhares para o lado, de fingimento e de esquecimento.
Vêm agora todas as vozes clamar (e bem, note-se, só que um bocadinho tarde e a más horas, e sobretudo por razões pouco altruístas) quais virgens ofendidas contra um país homofóbico, castrador da liberdade individual, das mulheres e xenófobo.
Como se tivesse acontecido agorinha mesmo…
Como se idênticas situações não se passassem noutros locais do Mundo!
Este é, aliás, um Mundial que pode ser de oportunidade para combater um regime deste tipo. Não porque algum de nós se sinta catari, homossexual, imigrante, como ouvimos alguém apregoar. É a diferença entre sentirmo-nos, no conforto dos nossos lares e sermos no inferno da realidade.
Pode ser uma oportunidade, conquanto não tomemos a posição de… sim eles não ligam a esta coisa dos Direitos Humanos, mas o importante no momento é que role a bola.
A comunicação social e as redes imbuem em nós o sistema pavloviano de reagirmos aos impulsos.
Leiamos o Mundo para lá das parangonas.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.