A contraofensiva ucraniana tem-se revelado um êxito e poderá marcar um desfecho muito diferente daquele que o Kremlin previa a 24 de fevereiro.
Uma boa parte do território invadido pela Rússia regressa agora a mãos ucranianas, o que não deixa de ser uma vitória para todos os que defendem a soberania e a autonomia dos Estados como um direito inalienável.
No entanto, não partilho do otimismo dos que consideram que nos abeiramos do fim do conflito.
Não querendo ser o arauto da desgraça, temo bem que estejamos no limiar duma grande ofensiva, já não apenas em relação à Ucrânia, mas a toda a Europa. Aliás, a crise energética e as suas consequências são exemplo disso mesmo.
As guerras no século XXI não se fazem apenas nos campos de batalha e com ofensivas militares, muito embora estas sejam imprescindíveis. Elas estão à distância dum “click” informático, nas bolsas de valores, na economia em geral e no abastecimento da energia em particular.
Está provado que tão pouco se ganham guerras apenas com sanções. Mesmo no tempo das guerras convencionais, os cercos poderiam fazer ganhar batalhas, mas por si só raramente decidiam o rumo das guerras. Aliás o que temos assistido é que as sanções acarretam sempre um efeito boomerang.
Perante o cenário que se já se faz sentir e que se adivinha que venha a piorar no próximo inverno, o que falta para assumir que estamos, não no limiar dum Guerra Mundial, mas em plena Terceira Guerra?
Se assumirmos essa realidade, por muito assustadora que seja, ela poderá revelar-se uma solução porquanto obrigará a outras ações.
É indiscutível a existência dum claro ataque a Estados europeus fora da zona de conflito.
Não se morre apenas de tiros, bombas ou estilhaços. Também se morre de fome e de frio. Esses mortos não poderão e deverão ser considerados, também, vítimas de guerra?
É indiscutível a existência dum claro ataque a Estados europeus fora da zona de conflito.
Não se morre apenas de tiros, bombas ou estilhaços. Também se morre de fome e de frio. Esses mortos não poderão e deverão ser considerados, também, vítimas de guerra?
Gosto de algumas análises militares que são feitas em relação ao conflito, delineando estratégias e táticas. O que me parece é que a maior parte dos analistas continua a olhar para a guerra com os olhos do século passado, esquecendo, não apenas as baixas colaterais resultantes de ofensivas não bélicas, como o facto de nos encontrarmos no limiar da destruição total.
É exatamente isso que temo com este volte face do conflito. Que, note-se, para que não haja dúvidas, aplaudo e com o qual me regozijo. Mas que não posso deixar de temer.
O totem da Rússia é um urso. Dizem que os ursos só atacam quando provocados ou encurralados. Bem, este não foi provocado, mas está a ponto de se sentir encurralado e irá reagir.
Ouvi, como tantos de nós , o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica, Rafael Grossi, afirmar, com um ar bastante preocupado, que era urgente defender e proteger as instalações da central nuclear de Zaporijia, porquanto o perigo dum novo desastre nuclear estava iminente.
Iria mais longe: há que proteger e defender TODAS as centrais nucleares em atividade. Elas são, face ao perigo que representam, já não apenas pertença dum determinado Estado, mas uma preocupação internacional.
Por essa razão, e à semelhança de tantos projetos de defesa e de missões de paz levados a cabo pelos Capacetes Azuis que, em bom rigor, são a única e parca defesa internacional que temos, dever-se-ia estabelecer um plano de contenção supervisionado por esta força, criando um perímetro de segurança em torno de todas as centrais nucleares.
Pode parecer um trabalho, para além de hercúleo, invasivo da soberania do país onde a mesma se encontra. Mas se temos vindo a criar Patrimónios Mundiais da Humanidade com monumentos históricos, Patrimónios Imateriais com tradições e factos culturais, com estatuto supraestadual, não estará na hora de se criarem os Patrimónios de Segurança da Humanidade?
Poder-lhe-ão chamar qualquer outra coisa, mas é urgente que as Nações Unidas estabeleçam um programa de segurança e que o implementem com a força (limitada por certo) que tem, de forma a prevenir uma enorme catástrofe.
Dir-me-ão e com toda a razão, que a Rússia como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, jamais aprovaria semelhante solução.
Mas vivemos tempos perigosamente diferentes daqueles que levaram à criação da estrutura e tal como as leis, também as estruturas foram feitas para os homens e não o seu contrário.
O que aconteceria se a Rússia fosse expulsa desse Conselho? Juridicamente impossível? Este é o século em que os impossíveis se tornam, não apenas possíveis, como imperiosos.
Haja-se, antes que seja tarde demais.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.