Ainda semi anestesiados das primeiras férias em completo desconfinamento, após dois longos anos de pandemia e dum medo com nome de vírus, regressamos ao quotidiano com a ilusão de que os arco-íris infantis tinham razão: ficou tudo bem.
Talvez seja um mecanismo de sobrevivência que nos leva a tentar não pensar no que continua a suceder às portas da Europa. Talvez seja ainda o sol, que nos põe um sorriso despreocupado no rosto, enquanto enfrentamos mais um ano de trabalho, de escola de rotinas. Talvez ainda não nos tenhamos dado conta realmente de que o inverno está à porta.
Este será um inverno escuro em todos os sentidos e essa pode ser a razão pela qual nos agarramos aos últimos raios de sol e às gargalhadas despreocupadas do verão.
Mas aos poucos a realidade vai-se impondo.
Ninguém nos tinha avisado que as sanções, todas elas, têm frente e reverso e funcionam em dois sentidos. Ninguém se atreveu a informar e a dizer claramente que todos estes acontecimentos mais não eram que o prelúdio duma verdadeira Terceira Grande Guerra
Façamos um exercicio de memória e recordemos a forma como o dia 24 de fevereiro deste mesmo ano marcou e modificou para sempre as nossas vidas: Um Estado soberano invadiu outro Estado soberano, numa clara rotura com os pressupostos do Direito Internacional e com o maior período de paz dos últimos tempos.
Nem mesmo o conflito e o desmembramento da antiga Jugoslávia poderia ser comparável, já que se tratara dum conflito interno.
Desde os primeiros dias da guerra da Ucrânia (assim lhe passámos a chamar), a opinião pública europeia e ocidental tomou um claro partido de apoio ao invadido, adotando medidas, muitas vezes voluntariosas, de apoio e solidariedade.
Num ápice, Vladmir Zelensky, que até ao momento era visto pelos seus homólogos com pouco apreço e com alguma sobranceria e desdém, passou a herói indiscutível, imagem do espírito indomável dum povo.
Construiu-se uma lenda, que, como todas as lendas, tem um fundo de verdade. E esta tem-no e não tão fundo assim.
Mas o tempo e as circunstâncias mudam a forma como olhamos ao nosso redor e o que foram manifestações de indiscutível apoio, posições de repúdio, quase violentas para com outras posições, começaram a diluir-se à medida que as repercussões duma guerra a 5 mil quilómetros de distância se começaram a fazer sentir.
Ninguém nos tinha avisado que as sanções, todas elas, têm frente e reverso e funcionam em dois sentidos. Ninguém se atreveu a informar e a dizer claramente que todos estes acontecimentos mais não eram que o prelúdio duma verdadeira Terceira Grande Guerra e que, sim, seria à escala mundial e que ninguém, mesmo ninguém, ficaria incólume.
O inverno está a chegar e a Rússia já cortou o bastecimento de gás à Europa.
E agora?
Portugal, que tantas vezes tem sofrido pela sua situação europeriférica, encontra-se agora numa posição bem mais confortável que a dos seus vizinhos europeus.
A crise energética pode até ser-nos benéfica. É dos livros de História e da vida: a desgraça de uns é sempre a fortuna de outros.
Até porque esta crise veio trazer à superficie velhas questões políticas bilaterais, ignoradas ou olhadas como menores e que agora fazem uma enorme diferença.
A alternativa ao gás russo seria o gás argelino. E é precisamente aqui que a situação ganha outros contornos e que nos apercebemos de outras “guerras” de baixa intensidade e enorme importância que têm vindo a acontecer ao longo dos anos.
As relações tensas entre Marrocos e Argel levam este último a apenas utilizar um dos pipelines que forneceria a Europa, por forma a cortar grande parte do abastecimento ao vizinho marroquino.
Por seu lado, a tensão entre a Espanha e Marrocos e a França e Argel vem lançar ainda mais entropia na situação. Aliás, as declarações do senhor Macron esta semana sobre a questão do abastecimento de gás vindo da Argélia caíram que nem uma bomba, sobretudo na vizinha Espanha.
Perante este cenário, o papel de Portugal com a posição estratégica e as condições únicas do porto de Sines, caso seja bem utilizado, será o trunfo decisivo. Até porque a grande maioria das centrais de energia nuclear, com as francesas à cabeça, encontram-se numa situação de completa inoperância.
Em resumo: a Europa irá enfrentar um frio, duro, penoso e famélico inverno.
Receio que seja agora que a opinião pública se revolte e inverta a sua posição face ao conflito e que os partidos, sobretudo de extrema direita, apoiados pelo regime do Kremlin (Lenine rebola-te na tumba!!), ganhem novo fôlego.
Não apresentarão soluções, mas apontarão o dedo.
Aliás, já o começaram a fazer.
Vai ser uma Guerra de Tronos real e muito, muito violenta.
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