Devo ser privilegiada ou então tenho tido imensa sorte: não tenho nada a apontar ao SNS.
De todas as vezes que necessitei de recorrer ao serviço fui bem tratada e relativamente rápido.
Creio já o ter escrito que estou em crer que, conforme diz o povo, “queixamo-nos de barriga cheia”, se compararmos com outros países com PIBs muitíssimo maiores e com sistemas de saúde altamente discriminatórios e em nada gratuitos.
É atentarmos por exemplo no que se passa nos EUA, esse país democrático e onde se morre às portas dos hospitais, caso não se tenha seguro de saúde.
Em Portugal ninguém fica sem assistência, seja nacional, seja residente, esteja regular ou irregular. Aliás, fomos o primeiro (quase me atrevo a dizer o único) país que durante a pandemia teve um programa de vacinação para sem-abrigo e migrantes em situação irregular.
Aqui chegados, naturalmente que há imensa coisa a melhorar e situações a corrigir.
Desde logo o que se prende com o reconhecimento de habilitações na área da saúde – médicos e enfermeiros – de imigrantes e refugiados.
Durante a pandemia, recorreu-se a muitos destes profissionais, de maneira a reforçar as equipas de combate ao vírus. Alguns ingressaram nos quadros, mas uma grande parte retornou aos seus trabalhos indiferenciados.
Com a vaga de refugiados ucranianos a chegar ao nosso País, criou-se uma dualidade de critérios que deverá ser ultrapassada o mais rapidamente possível, uma vez que não existem migrantes de primeira e de segunda categoria.
P., ucraniana chegada nos anos 80 do século passado ao nosso País, só agora viu o seu diploma de médica pediátrica reconhecido e passou a integrar o nosso Sistema de Saúde. Foram anos com cartas, requerimentos, exposições, apelos, enquanto aceitava trabalhos, de limpeza primeiro e depois de acompanhamento de idosos acamados. Décadas com as suas capacidades em suspenso, sentindo-se impotente perante um sistema que só lhe colocava obstáculos. Finalmente, a sua saga teve um final feliz.
Entendo que, no caso de habilitações, por exemplo em Direito, a equivalência não possa ser imediata já que os sistemas legislativos são diferentes, mas, desculpem lá, anatomia humana é igual em todo o lado, certo?
Como o têm os (as) refugiados(as) ucranianos(as) que chegam com os diplomas na mão e cujo reconhecimento é, neste momento, quase automático.
S. é refugiada afegã.
Fugiu com a mãe viúva e uma irmã, dum país onde ser mulher é, praticamente, um crime. Quando o regime foi tomado pelo taliban, encontrava-se no último semestre do curso de medicina. Trouxe consigo todos os certificados, declarações e demais papelada, para que pudesse solicitar equivalência e terminar em Portugal a sua formação. Impossível. Nem uma única equivalência. Uma única!
S. já não se importa de repetir anos de estudo. Já nem sequer se importa que lhe sejam reconhecidas habilitações para qualquer área de saúde. Apenas quer trabalhar naquilo para que se preparou. Tenta em vão por todos os meios e desespera.
J. era médico em Cuba, país reconhecido pela sua qualidade na área médica.
Sabe que alguns colegas conseguiram até com alguma facilidade, que lhes fosse dada equivalência e lhes fosse permitido o exercício da profissão. Porém J. tem um grande senão: tem mais de cinquenta anos! Pelo menos é a única explicação que consegue intuir, uma vez que nem resposta lhe é dada aos seus pedidos.
Todos são migrantes, todos têm consigo os atestados e certidões que comprovam as suas declarações. Nem todos conseguem atingir o objetivo.
Não me custa a acreditar que alguns cursos administrados em determinados países sejam mais reconhecidos e fiáveis que outros. Mas, se existem dúvidas, porque não é feito um exame para aferir da capacidade da pessoa?
Entendo que, no caso de habilitações, por exemplo em Direito, a equivalência não possa ser imediata já que os sistemas legislativos são diferentes, mas, desculpem lá, anatomia humana é igual em todo o lado, certo?
Ouvi o sr. bastonário explicar muito bem que o problema não está na Ordem dos Médicos, mas nos requisitos das Faculdades de Medicina. Mas então deverão os mesmos ser iguais e aplicarem-se da mesma forma a todas as nacionalidades.
Enquanto isso, clamamos pela falta de médicos.
Pois bem, alguns estão a construir ou a limpar as nossas casas.
Se calhar está na hora de também olhar para esta situação.
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