Num artigo publicado em 2016, escrevi que o combate aos fluxos de migração ilegal no Mediterrâneo não podia cingir-se ao simples encerramento e policiamento, sob pena de o único resultado ser o aparecimento de novas rotas, entre elas, a que aportaria, inevitavelmente, à nossa costa algarvia.
Na altura, foi-me apontado com grande vigor o quão “irrealista” era uma tal previsão, uma vez que, e cito de memória, “uma coisa é navegar no Mediterrâneo, outra é aventurar-se em pleno Atlântico, pois em bom rigor a costa algarvia ainda não é mar Mediterrâneo”.
Quanto a questões naúticas, nada contrapus assumindo a minha total ignorância no assunto, mas sempre fui argumentando que os nossos marinheiros no século XVI aventuraram-se pelos sete mares em embarcações pouco melhores que as “cascas de noz insufláveis” em que se arriscam estas pessoas. Além de que havia que ter em conta também o fator desespero, que tende a ser decisivo na tomada de decisão numa solução tão perigosa como o abandono do país de origem rumo ao desconhecido.
Quatro anos depois, aí estão os barcos a chegar às praias do Algarve. Pouco importa se não lhe reconhecemos o estatuto de rota, embora falte saber o que é preciso para que seja considerado como tal.
Se existe alguém do lado de lá que é pago para facultar os barcos e as rotas, deste lado estará uma outra célula que aguarda a chegada e que se dispõe a distribuir estes migrantes
Do que não restam dúvidas é da descoberta, por parte das redes de auxilio à imigração ilegal, dum percurso ainda pouco explorado, relativamente rápido (três dias apenas) e bastante seguro já que (ainda!) não há relatos de naufrágios ao largo desta costa.
Estamos, indubitavelmente, perante a atuação duma rede que, de acordo com o que se tem vindo a aprender das outras todas, atua quer no país de origem dos migrantes, quer no país de acolhimento.
Isto porque se existe alguém do lado de lá que é pago para facultar os barcos e as rotas, deste lado estará uma outra célula que aguarda a chegada e que se dispõe a distribuir estes migrantes que, na sua maioria, acabam por ficar à mercê de outras redes, desta feita de tráfico de seres humanos, na sua grande maioria, para trabalho escravo.
Solução? Bem, a experiência alheia já mostrou à saciedade que não há muros que contenham a vontade e o desespero humanos, como tal erguer muros ou fortificações está fora de questão.
O patrulhamento sem dúvida, muito embora continuemos, à nossa boa maneira, a ter diversas instituições a lidarem com uma mesma realidade. Mas essa vigilância só atua, pela sua natureza, a jusante do problema. Não o resolve na sua génese.
Seja qual for o ângulo pelo qual queiramos equacionar o problema, chegaremos sempre à conclusão que a prevenção é a única forma de lidar com este fenómeno.
E a prevenção passa por duas áreas essenciais: a diplomática e a da cooperação.
A diplomática de forma a encontrar uma base de entendimento entre os países de origem e de destino, de forma a estabelecerem vias regulares que esvaziem as redes de tráfico e tornem mais segura a mobilidade.
A cooperação para o desenvolvimento, que permita a fixação das populações nos seus locais de origem em condições dignas e humanas.
Sem isto o fenómeno é irreversível e descontrolado.
E, sim, a rota do Algarve será uma realidade, quer lhe queiramos chamar assim ou de outra forma.